Gente má *
* Texto publicado no Jornal do Centro
1. O padre João Pedro Cardoso, capelão do Hospital de Viseu, contou a este jornal que um filho “ao deixar o pai doente num hospital disse aos enfermeiros que na carteira estava um cartão com os contactos de quem trataria do que fosse necessário. Esse cartão era de uma funerária.”
Uma crueza destas faz-nos lembrar que as pessoas têm dias, umas vezes são boas outras vezes são más. E que há gente mesmo reles.
2. Ricardo Raimundo acaba de publicar um livro sobre “reis cruéis, traidores, mulheres fatais, assassinos e gente de má rês” intitulado “Os Maus da História de Portugal”. Qualquer admirador de cinema negro começa a ler o livro no terceiro capítulo dedicado a "mulheres fatais causadoras de desgraça".
Uma delas foi D. Mécia Lopes de Haro, acusada de «artes diabólicas» para manter «enfeitiçado» o seu esposo, D. Sancho II. A rainha era forte, o rei fraco, o reino, esse, estava dividido no partido de D. Sancho e no do seu irmão D. Afonso.
Os partidários de D. Afonso acabaram por conseguir que o papa Inocêncio IV, em 1245, depusesse D. Sancho e reconhecesse D. Afonso como rei. Deu guerra civil, claro.
No verão de 1246, um grupo de cavaleiros entrou na guardadíssima fortaleza de Coimbra, conseguiu, estranhamente, adentrar-se nos aposentos de D. Mécia e raptá-la. A seguir, mais estranhamente ainda, levou-a para o Castelo de Ourém, propriedade dela. D. Sancho, desarvorado, arrancou com os seus melhores homens para libertar a sua amada. Mas ela recusou-se a regressar. Aquele rapto afinal tinha sido fita. Para manter os seus bens, D. Mécia bandeou-se para D. Afonso. O fraco D. Sancho, esmurchido pela traição da mulher, partiu para o exílio e morreu dois anos depois.
3. José Sócrates vai, como disse António Costa, poder defender em tribunal a “verdade em que acredita”.
E convém lembrar: os problemas de “liquidez” do ex-primeiro-ministro não fizeram dele um preso político. Em democracia não há disso.
1. O padre João Pedro Cardoso, capelão do Hospital de Viseu, contou a este jornal que um filho “ao deixar o pai doente num hospital disse aos enfermeiros que na carteira estava um cartão com os contactos de quem trataria do que fosse necessário. Esse cartão era de uma funerária.”
Uma crueza destas faz-nos lembrar que as pessoas têm dias, umas vezes são boas outras vezes são más. E que há gente mesmo reles.
2. Ricardo Raimundo acaba de publicar um livro sobre “reis cruéis, traidores, mulheres fatais, assassinos e gente de má rês” intitulado “Os Maus da História de Portugal”. Qualquer admirador de cinema negro começa a ler o livro no terceiro capítulo dedicado a "mulheres fatais causadoras de desgraça".
Uma delas foi D. Mécia Lopes de Haro, acusada de «artes diabólicas» para manter «enfeitiçado» o seu esposo, D. Sancho II. A rainha era forte, o rei fraco, o reino, esse, estava dividido no partido de D. Sancho e no do seu irmão D. Afonso.
Os partidários de D. Afonso acabaram por conseguir que o papa Inocêncio IV, em 1245, depusesse D. Sancho e reconhecesse D. Afonso como rei. Deu guerra civil, claro.
No verão de 1246, um grupo de cavaleiros entrou na guardadíssima fortaleza de Coimbra, conseguiu, estranhamente, adentrar-se nos aposentos de D. Mécia e raptá-la. A seguir, mais estranhamente ainda, levou-a para o Castelo de Ourém, propriedade dela. D. Sancho, desarvorado, arrancou com os seus melhores homens para libertar a sua amada. Mas ela recusou-se a regressar. Aquele rapto afinal tinha sido fita. Para manter os seus bens, D. Mécia bandeou-se para D. Afonso. O fraco D. Sancho, esmurchido pela traição da mulher, partiu para o exílio e morreu dois anos depois.
3. José Sócrates vai, como disse António Costa, poder defender em tribunal a “verdade em que acredita”.
E convém lembrar: os problemas de “liquidez” do ex-primeiro-ministro não fizeram dele um preso político. Em democracia não há disso.
O POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO
ResponderEliminarO medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no teto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
*
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos
Alexandre O'Neill
In ”Tempo de Fantasmas”
“Cadernos de Poesia” – Fascículo Onze - Segunda Série
Novembro de 1951