A manta

* Texto publicado no Jornal do Centro em 14 de Novembro de 2008

     1. Contaram-me esta história muito antiga:

«Pai, prepare-se, amanhã vamos cumprir a tradição.»
«Está bem, meu filho, há muito tempo que estou preparado.»
Era assim naquela terra. Gestos antigos repetiam-se com o ir e vir das estações. A vida dos homens fazia-se no trabalho duro e na colheita incerta, tantas vezes desfeita pela geada serôdia ou pela saraiva maldita mandada pelo mafarrico.
Naquela terra passava-se fome. Naquela terra passava-se frio. As crianças não iam à escola, iam com os pais para o olival, de mãos roxas arreganhadas, apanhar a azeitona varejada ou iam com as ovelhas ao pasto orvalhado dos lameiros.
Estava-se em Novembro. Os dias mingavam cada vez mais. As castanhas desprendiam-se dos ouriços. O vinho já não tinha fervências no pipo.
Quando o filho se levantou, o pai já estava pronto.
Começaram a andar. O pai seguia firme. Uma força interior empurrava-o para cima, naquele caminho íngreme de pedras soltas.
Naquela terra quando os velhos ficavam velhos era tradição o filho levá-los para o cimo do monte e deixá-los lá. Com os achaques dos anos, os velhos já não eram úteis para os trabalhos dos campos.
Chegados ao cimo, o velho pai, cansado, encostou-se a uma fraga.
«Pai, fica aqui a manta mais quentinha lá de casa para se agasalhar.»
«Corta a manta em duas metades, meu filho.»
«Para quê, meu pai?»
«Deixas cá metade da manta. A outra metade vai servir para quando o teu filho te trouxer a ti…»

2. “Do ponto de vista do sistema, [o êxodo dos professores mais velhos] não é dramático. 
Hoje, o País tem milhares de jovens diplomados a querer entrar no sistema de ensino." - disse Maria de Lurdes Rodrigues à Visão, em 16 de Outubro.

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