Tirar o penso *
* Texto publicado hoje no Jornal do Centro.
1. Desde que Portugal ficou nas mãos dos credores, os nossos políticos e os nossos banqueiros praticam o teatro que recomendou Jean Cocteau: “uma vez que estes mistérios nos ultrapassam, finjamos ser os seus organizadores”.
O problema é que, de três em três meses, a troika, os verdadeiros “organizadores” chegam ao aeroporto de Lisboa. Estão cá agora.
Esta dependência é uma ferida no corpo deste país de nove séculos. Ora, quando há uma ferida, põe-se um penso. Depois, tirar o penso dói.
É aqui que tem havido alguma diferença entre Passos e Seguro. Se se tirar o penso muito depressa dói demasiado, diz Seguro. Temos que aguentar sem pieguices, prescreve Passos.
A ferida, essa, continua sem sarar e cada vez mais infectada.
Não há um instituto público extinto, não há uma fundação fechada, não há uma parceria-prejuízos-públicos-proveitos-privados renegociada.
2. Enquanto a nível nacional se instalou o “teatro” de Cocteau, já a nível local a participação cívica pode fazer a diferença. Por isso, há que saudar as disputas eleitorais nas concelhias do PS e do PSD.
Filipe Nunes, candidato à concelhia do PS, na sua apresentação pública prometeu que o “candidato à Presidência da Câmara Municipal de Viseu deverá ser escolhido até ao início do próximo Verão”.
Ora, este calendário é absurdo e é um valente tiro no pé.
Qual é o socialista com envergadura política capaz de derrotar Carlos Marta que aceita ficar pendurado um ano e meio, como uma alma penada, entre as primárias na primavera de 2012 e as autárquicas no outono de 2013?
Filipe Nunes é uma pessoa séria. Caso contrário, até pareceria — ao querer inaugurar na concelhia as eleições primárias num prazo tão apertado — que quer entregar a disputa da câmara de Viseu a algum proto-candidato seu apoiante.
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