Noite de Natal (#3)*
* Texto publicado hoje no Jornal do Centro
No Natal de 2009, contou-se aqui o conflito interior de um pai perante a emigração da filha:
(…) «Merda de país! Forma doutores para os pôr nas caixas dos supermercados…»
Rua fora, ao fundo, viu a praça, o Rossio, as casinhas do Rossio. Estava lindo o Rossio, de presépio e de charrete, luzes de Natal a pingarem das tílias, táxis à espera, brasileiros ao telemóvel, ucranianos de camisa aberta, africanos de gorro na cabeça.
Não lhe passou a neura. Em cada uma daquelas caras, em cada um daqueles estrangeiros, em cada um daqueles olhos tristes, ele via a sua filha, sozinha, num Rossio qualquer de Sydney, do outro lado do mundo. (...)
Três anos depois, na noite de Natal de 2012:
(…) «Pouco frio. Já não é só a política avariada, aqui o inverno avariou também... Passei há bocado no Rossio, nem um “craniano”, nem um brasileiro, até os imigrantes nos emigraram...»
«É triste... aqui as coisas estão bem, em Janeiro vou ser promovida.»
«Filha, ando há uns tempos para te dizer uma coisa...»
«Então? Que se passa?»
«Sabes, eu fui despedido... há uns meses... não te disse porque não te queria preocupar... mas já corri tudo... não consigo trabalho... vê lá se me arranjas qualquer coisa aí na Austrália...»
Passaram mais três anos — noite de Natal deste ano:
«Pai, é tão bom passarmos cá o Natal...»
«Não há nada que chegue à consoada na nossa casa...»
«Já foi ao Rossio?»
«Passei lá hoje à tarde, está lá uma gaiola grande, mas sem pássaros...»
«De dia não tem graça, de noite fica uma bola vermelha gira, já vi fotografias... Não gostou destes anos na Austrália, pois não?»
«Gostei, querida filha. Tu casaste e tens lá uma vida boa. Eu fiz bom dinheiro lá nas obras. Até já falo inglês.»
«Sim, mas não quer voltar connosco para Sydney...»
«Esta é a minha cidade. E a minha cidade tem muita casa velha no centro a precisar de obras...»
No Natal de 2009, contou-se aqui o conflito interior de um pai perante a emigração da filha:
(…) «Merda de país! Forma doutores para os pôr nas caixas dos supermercados…»
Rua fora, ao fundo, viu a praça, o Rossio, as casinhas do Rossio. Estava lindo o Rossio, de presépio e de charrete, luzes de Natal a pingarem das tílias, táxis à espera, brasileiros ao telemóvel, ucranianos de camisa aberta, africanos de gorro na cabeça.
Não lhe passou a neura. Em cada uma daquelas caras, em cada um daqueles estrangeiros, em cada um daqueles olhos tristes, ele via a sua filha, sozinha, num Rossio qualquer de Sydney, do outro lado do mundo. (...)
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Três anos depois, na noite de Natal de 2012:
(…) «Pouco frio. Já não é só a política avariada, aqui o inverno avariou também... Passei há bocado no Rossio, nem um “craniano”, nem um brasileiro, até os imigrantes nos emigraram...»
«É triste... aqui as coisas estão bem, em Janeiro vou ser promovida.»
«Filha, ando há uns tempos para te dizer uma coisa...»
«Então? Que se passa?»
«Sabes, eu fui despedido... há uns meses... não te disse porque não te queria preocupar... mas já corri tudo... não consigo trabalho... vê lá se me arranjas qualquer coisa aí na Austrália...»
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Fotografia Olho de Gato |
«Pai, é tão bom passarmos cá o Natal...»
«Não há nada que chegue à consoada na nossa casa...»
«Já foi ao Rossio?»
«Passei lá hoje à tarde, está lá uma gaiola grande, mas sem pássaros...»
«De dia não tem graça, de noite fica uma bola vermelha gira, já vi fotografias... Não gostou destes anos na Austrália, pois não?»
«Gostei, querida filha. Tu casaste e tens lá uma vida boa. Eu fiz bom dinheiro lá nas obras. Até já falo inglês.»
«Sim, mas não quer voltar connosco para Sydney...»
«Esta é a minha cidade. E a minha cidade tem muita casa velha no centro a precisar de obras...»
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