Dito no Jornal do Centro em 2015*
* Publicado hoje no Jornal do Centro
9 de Janeiro
José Sócrates vai, como disse António Costa, poder defender em tribunal a “verdade em que acredita”. E convém lembrar: os problemas de “liquidez” do ex-primeiro-ministro não fizeram dele um preso político.
24 de Abril
A chegada do “2020”, o dinheiro da “Europa”, fez regressar o sonho húmido preferido dos nossos políticos — as infra-estruturas.
Ele é a auto-estrada de Viseu para o sul com geografias cada vez mais estranhas.
Ele é um comboio novo-em-trinque na estação de Viseu.
Ele é um comboio recauchutado na estação de Mangualde.
29 de Maio
Esta última indignação do Facebook sobre o problema de física que “atirava” um gato abaixo de uma varanda quererá dizer que, no próximo parlamento, vamos ter um deputado do PAN — Partido pelos Animais e pela Natureza?
5 de Junho
Um azar, um recibo deitado ao lixo, uma via verde avariada, uma notificação perdida, e o “fascismo fiscal” em que vivemos penhora-nos o salário ou a pensão ou a casa.
31 de Julho
Como se viu neste desgraçado meio ano syrízico, a esquerda patina quando se encerra na crítica paroquial contra o “capital financeiro” ou contra a “sra. Merkel e o sr. Schäuble” (agora mais ele que ela). Uma abordagem “patriótica” a fazer coro com a sra. dona Marine Le Pen não leva a lado nenhum.
2 de Agosto
Depois dos milhões e milhões da “Europa” e das privatizações, as nossas elites deram-nos três bancarrotas, um estado disfuncional (só funciona o fisco) e endividado (com défices ano após ano); deram-nos um estado capturado (mal a troika saiu, logo os remédios recomeçaram a aumentar) e injusto (Ricardo Salgado destruiu a PT e as poupanças de milhares de pessoas mas continua a apanhar o sabonete no chuveiro de sua casa).
18 de Dezembro – dois dias antes do resgate do Banif
Como se sabe, quando o governo é fraco, os lóbis fazem um festim. E isso já se vê: cheios de pressa, os homeopatas do bloco esganiçam-se no parlamento e os sindicalistas do PCP convocam greves; já os banqueiros, mulas velhas, fazem as coisas com discrição e eficácia.
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Os 52 Olhos de Gato publicados em 2015 no Jornal do Centro podem ser lidos, na sua integralidade, aqui neste blogue clicando na etiqueta Jornal do Centro.
A primeira leitura para esta selecção de fim-de-ano deu a seguinte enormidade (>21000 caracteres que depois foram devidamente tesourados para <2000):
9/Jan
José Sócrates vai, como disse António Costa, poder defender em tribunal a “verdade em que acredita”.
E convém lembrar: os problemas de “liquidez” do ex-primeiro-ministro não fizeram dele um preso político. Em democracia não há disso.
16/Jan
Gorbatchov queria reformar a URSS mas as elites soviéticas perceberam que eram elas que iam ficar com os despojos quando o regime desmoronasse e trataram do assunto. Os actuais plutocratas russos estavam próximos da cúpula soviética e conseguiram assegurar os favores do estado ou roubaram-no directamente.
23/Jan
Uma das melhores ideias surgidas no “orçamento participativo” da câmara de Viseu foi a de associar a cidade às tílias e ao chá de tília.
Ideia barata que faria muito pela imagem de Viseu. Pelo menos tanto como as festas e festinhas de António Almeida Henriques.
20/fev
As ditas "redes sociais" estão sempre à-beira-de-um-ataque-de-nervos: ora é por causa do cachecol Burberry do sr. Varoufakis (comprado há uns anos pela mulher dele por cinco euros), ora é por causa da mala Hermès da sra. Lagarde (que ela comprou por 5750 dólares na Quinta Avenida). Havemos de sobreviver desde que o Facebook continue a ter vídeos cutchi-cutchi de gatinhos e pensamentos de Fernando Pessoa que ele nunca escreveu.
27/Fevereiro
Há sempre um lobby capaz de pôr políticos a tirarem dinheiro aos cidadãos em seu benefício.
O país parece preparado para pregar um susto eleitoral aos partidos do sistema. É só aparecerem protagonistas novos credíveis
13/Março
Entre nós, a retórica da “voz grossa” contra a “Europa” e contra o “bom-aluno” totó que aceita tudo de Bruxelas é um clássico da política portuguesa. É por aqui que anda António Costa.
20/Mar
Uma coisa é certa: nesta matéria todos os contribuintes têm que ser “VIP”. O sistema informático do fisco tem que estar preparado para registar o “quem”, o “a quem”, o “quando” e o “quê” de todas as pesquisas. Se um funcionário de Arronches de Baixo, no dia 20 de Março, pelas 11H15, espreitar a situação fiscal do sr. António Costa de Lisboa, ou da sra. Antonieta Francisca de Portimão, esse funcionário tem de estar preparado para explicar porque fez isso.
E, se essa informação for parar a um órgão de comunicação social, o mínimo que se espera é que lhe seja levantado um inquérito e demais arsenal disciplinar da função pública.
3/Abril
Isto, a que se chama “condição de recursos”, tem um duplo efeito negativo:
(i) esburaca a rede de segurança da classe média — por exemplo, o abono de família já foi universal, agora não é, e fomos convencidos que assim é que está bem; na saúde e na educação está a trilhar-se o mesmo caminho;
(ii) é a bem conhecida “armadilha da pobreza” — só depois de completamente pobre a pessoa poderá, então, receber um apoio que a mantém pobre.
24/Abril
Recordemos: todos os quatro presidentes — Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco — tiveram dois mandatos. Os presidentes foram sempre reeleitos e isso não foi por acaso. É que, nos primeiros cinco anos, todos eles foram umas nulidades só preocupadas com uma coisa: a sua reeleição. Recordo os dois casos mais danosos — o presidente Soares aplanou a vida ao primeiro-ministro Cavaco até 1991 e o presidente Cavaco aplanou a vida ao primeiro-ministro Sócrates até 2011.
É por isso que seria desejável um mandato presidencial não renovável de sete anos, para evitar os decorativos cinco anos iniciais da função presidencial.
A chegada do "2020", o dinheiro da "Europa", fez regressar o sonho húmido preferido dos nossos políticos — as infra-estruturas.
Ele é a auto-estrada de Viseu para o sul com geografias cada vez mais estranhas. Ele é um comboio novo-em-trinque na estação de Viseu. Ele é um comboio recauchutado na estação de Mangualde.
1/Maio
A metapolítica — a decisão dos eleitos está a ser escondida ou empaliada. A ferramenta mais na moda é a dos orçamentos participativos (OP). Todos os presidentes de câmara e de junta querem um “participativo”. Onde a “situação” não avança para um OP, a “oposição” propõe um. Onde a “situação” toma a iniciativa, a “oposição” brada que é pouco.
Valha a verdade, o presidente da câmara de Viseu é um especialista em metapolítica. Para além do OP, ele usa todos os instrumentos que pode para empaliar ou lançar nevoeiro sobre a decisão política e respectiva responsabilidade. As únicas obras do seu mandato são comissões de “estratégia”, são “júris”, são “fóruns”, são concursos de “ideias”.
A oposição socialista percebeu-o e decidiu metapoliticar também: acaba de propor um referendo sobre o Mercado 2 de Maio, a ensombrada obra de Siza Vieira onde este, há 15 anos, plantou umas magnólias que nem assombram nem desassombram, antes pelo contrário.
8/Maio
O “arco da corrupção” — PS, PSD e CDS — está capturado pelo negocismo e o rentismo. As nossas elites não produzem riqueza, só sabem viver aconichadas ao estado.
O “arco do protesto” — Bloco e PCP — é formado por virgens que, para não pecarem, são sempre do contra e nunca querem ir para o governo.
Ora, este bloqueio ainda não vai ser resolvido nas próximas legislativas.
A nossa Segurança Social, para além de um fundo de reserva de 11 mil milhões de euros, tem 14 mil milhões de receitas por ano e gasta 13 mil milhões em pensões. Está, portanto, equilibrada e é sustentável.
Entretanto, apareceram uns “macroeconomistas” do PS de António Costa a quererem cortar 1,7 mil milhões de euros de receitas anuais da Segurança Social.
E se fossem antes mexer na herança da vovó deles e deixassem o futuro das pensões em paz?
15/Maio
Tremam, editores da Visão! Arreceiem, jornalistas da Sábado! Paniquem, homens da The New Yorker! António Almeida Henriques vai entrar no negócio. Vai editar uma revista municipal.
E registe-se: esta revista trimestral de distribuição gratuita vai só custar mais sete mil euros que o último orçamento participativo. Uma ninharia. Vão ser 82 mil euros supimpamente aplicados.
Perante tanta ligeireza, tanta festa e festinha a que agora se vem acrescentar o "papel-couché" revisteiro, o dr. Ruas só pode andar muito divertido.
22/Maio
Em “A Arte de Pensar Com Clareza”, Dobelli recenseia 52 erros comuns de raciocínio e, entre eles, o da “falácia do custo irreparável”: a pulsão que nos faz agarrar às coisas só porque nelas já investimos muito tempo, energia, dinheiro, amor, …
Ficar a ver até ao fim um filme intragável não adianta nada, o dinheiro do bilhete já foi gasto em vão. O avião supersónico Concord nunca seria rentável mas a Inglaterra e a França continuaram, ano após ano após ano, a enterrar dinheiro nele, incapazes de acabarem com o projecto. Não é por acaso que a “falácia do custo irreparável” também é conhecida por “efeito Concord”.
Mais situações: «já percorremos um caminho tão longo....», «já li tantas páginas deste livro...», «já dediquei dois anos a este curso...»
Explica Dobelli: “há bons motivos, e são muitos, para investir na conclusão do que foi iniciado. E há um mau motivo: pensar no que foi investido. (...) O que conta é o presente e a avaliação que somos capazes de fazer quanto ao futuro.”
29/Maio
As redes sociais estão sempre à-beira-de-um-ataque-de-nervos, com o pessoal indignado a “malhar” em alguém.
O alvo preferido do nosso Facebook é Isabel Jonet, do Banco Alimentar. Ela na logística da comida é boa, mas nas televisões é uma desgraça. É razoável pensar que é melhor assim que ao contrário. Mas ai de quem a defenda no Facebook.
(…) o bem-estar animal é um adquirido civilizacional que vê com maus olhos, até, animais nos circos.
Esta última indignação do Facebook sobre o problema de física que “atirava” um gato abaixo de uma varanda quererá dizer que, no próximo parlamento, vamos ter um deputado do PAN — Partido pelos Animais e pela Natureza?
5/Junho
Um azar, um recibo deitado ao lixo, uma via verde avariada, uma notificação perdida, e o “fascismo fiscal” em que vivemos penhora-nos o salário ou a pensão ou a casa. O sr. Paulo Campos, o homem que instalou a ladroagem dos pórticos, é um Rutger Hauer, o vilão do excelente filme que correu em Portugal com o mesmo título desta crónica.
12/Junho
a concessão em 2008 das novas barragens à EDP por 700 milhões de euros para "compor" o défice daquele ano foi uma irracionalidade económica e ecológica; ainda por cima, destruiu a beleza única do vale do Tua; poucos anos depois, aquela operação desastrosa — feita por um terço do seu valor de mercado — escorregou pelas três gargantas chinesas abaixo;
— a migração da televisão analógica para a TDT, levada a cabo pela PT, mais bem dito, levada a cabo pelo divino espírito santo que era quem mandava na PT, obrigou os portugueses a gastar dinheiro para ficarem com... os mesmos quatro canais que já tinham. Até a TDT grega tem 17 canais. Foi um golpe inqualificável nos portugueses mais pobres, mais sós e mais velhos.
26/Junho
Contudo, o balanço global dos dois mandatos de Cavaco Silva é negativo porque falhou nas duas funções principais do poder moderador:
(i) um PR deve ser a válvula de escape do "vapor" acumulado pela conflitualidade política; um PR deve ouvir e dar voz aos "perseguidos" e aos "vencidos" pelos governos. Ora, Cavaco ao "mata" de Sócrates disse sempre "esfola" (que o digam os professores no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues); ora, Cavaco ao "mata" de Passos "esfolou" ainda mais depressa;
(ii) um PR deve ser um símbolo e um factor de unidade nacional e Cavaco Silva não o conseguiu ser no seu segundo mandato; tudo começou logo na noite da segunda vitória quando ele não teve grandeza para ultrapassar a campanha sujinha feita pelo poeta Alegre e o tiririca Coelho da Madeira.
17/Julho
Em poucos meses, a dupla Tsipras-Kamménos conseguiu duas coisas: secar os bancos gregos e duplicar o número de eurocépticos e anti-europeus.
Marine Le Pen, Nigel Farage, Pablo Iglésias, e demais nacionalistas europeus, aplaudem os seus congéneres de Atenas. O sr. Putin esfrega as mãos. A máquina de simplificação populista que ele teleguia está mais eficaz do que nunca.
Depois do espalhanço syrízico, os papagaios nas televisões repetem agora um novo mantra: «a 'Europa' morreu». Claro que a UE não morreu, mas precisa de ser retirada do seu labirinto antidemocrático e autoritário.
Os cidadãos têm que poder eleger directamente o “sr. Europa" ou a "sra. Europa", um eleito que trate do interesse europeu pelo menos tão bem como Angela Merkel trata do interesse alemão.
Mas a humilhação não é só para quem recebe. A humilhação também é para quem é recebido. A primeira pergunta a fazer à cabeça de lista do PS é esta: «Maria Manuel Leitão Marques, por que razão o PS-Coimbra não a quis?»
24/Julho
No último Olho de Gato chamei a atenção para a mania que há na “Europa” de decidir tudo em grandes maratonas negociais que se prolongam até altas horas da madrugada. E lembrei: “grupos grandes tendem a decidir mal, grupos grandes e com sono é asneira certa.”
Regressemos ao tema: porque é que grupos grandes tendem a decidir mal? Rolf Dobelli, em 'A Arte de Pensar Com Clareza' chama a este fenómeno “preguiça social”. Acontece em grupos em que o esforço individual possa ficar diluído no colectivo. Quanto maior o grupo, mais ronha tenderá a fazer cada elemento. Se os resultados forem bons — “por acaso foi ideia minha”. Se forem maus — “por acaso foi ideia do grupo”; a isto os especialistas chamam «difusão de responsabilidade».
31/Julho
Como se viu neste desgraçado meio ano syrízico, a esquerda patina quando se encerra na crítica paroquial contra o “capital financeiro” ou contra a “sra. Merkel e o sr. Schäuble” (agora mais ele que ela). Uma abordagem “patriótica” a fazer coro com a sra. dona Marine Le Pen não leva a lado nenhum.
Tal como é necessária democracia com a eleição do “sr. Europa”, também as lutas dos trabalhadores têm que se tornar supranacionais, com sindicatos europeus.
Taxas moderadoras na interrupção voluntária da gravidez, muito bem. Nem se percebe por que razão elas ainda não são cobradas.
Consultas psicológicas compulsivas, como querem o PSD e o CDS, muito mal. E anti-deontológico. Profissional que as faça contra a vontade da mulher, alegando o clássico “estou a cumprir ordens”, deve ser posto a limpar retretes em Nuremberga.
7/Agosto
Depois do líder António Costa ter sido eleito em primárias por um selectorado de 178 mil pessoas, o PS regressou às reuniões de sótão e às missas maçónicas para fazer as listas de deputados. A coisa deu barraca e não só em Viseu.
Os nomes das listas não contam para o resultado, o que conta é a tendência nacional de voto. Em ano de maré da direita, esta faz seis deputados no distrito (chegou aos sete no apogeu cavaquista). Em ano de maré rosa, o PS chega aos quatro e a direita fica-se pelos cinco.
Pondo nomes e não chapéus-de-palha: os viseenses elegem Isaura Pedro que perdeu a câmara de Nelas depois de ter levado aquele município à falência ou elegem Marisabel Moutela, a anónima aparelhista que António Borges trouxe da folha de pagamentos da câmara de Resende?
Em resumo é isto. Isto vai dar muita conversa nos jornais, blogues e redes sociais. Mesmo sendo só isto.
14/Agosto
Estes dias de chanatos e calções pedem crónicas light. Dias descomplicados, dias de fartura com os nossos queridos emigrantes a comerem farturas, e nós com eles, nas festas das nossas aldeias. Dias de Feira de S. Mateus com um rancho no palco e outro no prato mas com parágrafos sem colesterol. Nem do bom nem do mau.
O simpático governante brasileiro tanto desejou acentuar o lado material da nossa querida língua que até escreveu que ela “deposita know how" [sic].
Caro Juca Ferreira, é tão bom quando cê escreve "midialivrista". Quando escreve "know-how" não é tanto, acredite, embora não faça mal nenhum. A gente por cá, embora menos tecno-anglicista, alcança tudo. Percebe todo os imeios que nos enviar, acredite. Não tenha medo da diferença lexical, sintáCtica e ortográfica, homem. Acredite: quanto mais diversas e mais criativas forem as várias variantes da nossa língua comum, mais impacto ela terá no, como diz, "contexto global".
Mermão, repare na língua de negócios do mundo: o inglês tem dezoito grafias diferentes. Vê alguém a querer que os australianos escrevam da mesma maneira que os canadianos? Sabe porque é que eles não perdem tempo com esse tipo de projeCtos, meu caro? Porque eles têm know-how.
28/Agosto
Depois dos milhões e milhões da “Europa” e das privatizações, as nossas elites deram-nos três bancarrotas, um estado disfuncional (só funciona o fisco) e endividado (com défices ano após ano); deram-nos um estado capturado (mal a troika saiu, logo os remédios recomeçaram a aumentar) e injusto (Ricardo Salgado destruiu a PT e as poupanças de milhares de pessoas mas continua a apanhar o sabonete no chuveiro de sua casa).
As nossas elites não criam riqueza, vivem aconichadas ao estado e compram a decisão política. E, com Barroso e Sócrates, habituaram-se a consegui-la barata. Veja-se o caso dos submarinos ou das PPP ou da Parque Escolar.
4/Setembro
Agora, a esfera pública é feita de clivagens entre um «nós» e um «eles», sendo este «eles» o que der mais jeito: os “funcionários” no tempo do barrosismo, os “professores” no socratismo, os “alemães” no syrizismo luso, os “grisalhos” no dizer sem cabeça de um cabeça-de-lista do PàF.
Esta “construção do inimigo” (expressão de Umberto Eco) é levada ao extremo nas “democracias populistas”, à moda da Hungria ou da Grécia, em que a maioria arrasa tudo. São políticas avessas ao compromisso e ao consenso, valores primeiros das sociedades liberais e os valores com que se fez a “Europa”.
25/Setembro
O primeiro-ministro grego está também encalhado. Não é num dia mas é num ano — 2015. O seu despertador já tocou três vezes: em Janeiro numas legislativas, em Julho num referendo e agora em Setembro em mais umas legislativas. Já teve três oportunidades para acordar e acertar o tiro.
E não têm sido poucos os fiascos de Alexis: apostou no contágio grego ao sul da “Europa”, e Hollande, Renzi, Rajoy e Passos deixaram-no a falar sozinho; apostou na aproximação à Rússia mas Putin pouco mais lhe pôde dar do que umas palmadas amigas nas costas; apostou no confronto com os credores e, quanto mais soltou a sua xenofobia anti-germânica, mais os gregos levaram os euros para debaixo do colchão, até que ele teve que fazer um “corralito” às contas bancárias e aceitar as duras condições de um terceiro resgate.
2/Outubro
Há um facto que não é suficientemente explicado às pessoas — cada voto rende ao partido que o recebe €3,11 por ano. Desde que um partido obtenha pelo menos cinquenta mil votos numas legislativas, ele recebe essa subvenção pública quer eleja deputados quer não.
É importante que o eleitor saiba isso para dar a utilidade que achar melhor ao seu voto: votar para eleger deputados ou votar meramente para dar os €12,44 de uma legislatura ao partido de que gosta, mesmo que ele não eleja nenhum deputado no seu distrito ou no país. Ou para, caso não queira entregar esse dinheiro a ninguém, inutilizar o voto.
A abstenção, essa, deve ser evitada.
9/Outubro
Mesmo depois de quatro anos duros, a direita viseense conseguiu ganhar em todos os concelhos e manter os mesmos seis deputados. Mérito de Mota Faria, demérito de António Borges, o líder distrital do PS.
16/Outubro
Nunca na nossa terceira república houve querela sobre regras ou sobre quem ganhou e quem perdeu umas eleições. Mas agora há: se ficar a governar a direita, a esquerda achará ilegítimo; se ficar a governar a esquerda, a direita achará ilegítimo.
Este sarilho enfraquece o próximo governo e vai levar a eleições antecipadas. Quanto mais elas demorarem mais o país vai apodrecer. Podem ser já na próxima primavera, professor Marcelo Rebelo de Sousa?
23/Outubro
Entretanto, a coligação de direita já “dá” mais de mil milhões de euros em concessões ao PS. O que Costa está a conceder ao bloco e à CDU para se manter ao de cima da água não se conhece mas adivinha-se.
É o nosso fado: ir de bancarrota em bancarrota.
6/Novembro
Tudo à espera. Os candidatos presidenciais fingem-se de mortos quando lhe perguntam sobre o assunto mais quente que vai sobrar para o próximo inquilino do Palácio de Belém — quando vamos ter eleições legislativas antecipadas?
Maria de Belém vai visitando santas casas da misericórdia enquanto Sampaio “Diapasão” da Nóvoa, sem nada para dizer como de costume, elabora sobre o “tom de desafio” (sic) ou o “tom certo” (sic) dos discursos de Cavaco.
Já Marcelo Rebelo de Sousa tanto se adentra na Festa do Avante como fala na Voz do Operário, enquanto o PSD e o CDS — quais Nanni Moretti no filme “Abril” — baralham as mãos e imploram: «diga qualquer coisa de direita, professor!»
Está tudo à espera.
13/Novembro
Afinal, em vez de um, foram três os “papéis” assinados entre o PS e o Bloco, o PCP e o PEV, numa cerimónia à porta fechada.
Neles, há muitas coisas boas. A melhor de todas é o abandono da ideia de Centeno de reduzir a TSU que ia causar um rombo estúpido na segurança social, como foi aqui explicado antes das eleições. Contudo, em nenhum daqueles “papéis” se encontra uma ideia de projecto, de futuro.
Neles, só há um objectivo: o regresso ao Portugal anterior à bancarrota de 2011. Ora, isso é impossível. E indesejável.
Neles, os partidos de esquerda nada dizem sobre a “Europa” e as nossas obrigações orçamentais — devem julgar que podem evitar o pingamento do nariz nos dias frios só por não falarem em “constipação”.
Quanto tempo esta construção em esferovite de António Costa vai resistir aos abanões cruzados do comité central e do eurogrupo?
O professor tem a sorte de não haver à esquerda nenhum candidato forte, mas, depois desta semana, e vou usar uma expressão à Marcelo-comentador, a sua eleição já não é "trigo-limpo-farinha-Amparo".
20/Novembro
Na economia o mesmo: as grandes corporações estão cada vez mais sujeitas a desastres reputacionais ou tecnológicos — vejam-se os casos da VW ou da Kodak. E, acossadas, elas precisam de adoptar estratégias comerciais de nicho para darem resposta aos pequenos.
Temos um governo em gestão há 47 dias e o país está a funcionar. A Bélgica teve um 541 dias e tudo correu na perfeição. O impasse só acabou quando a Standard & Poor's decidiu baixar a notação da dívida belga.
Os políticos, coitados, dividem-se em dois grupos: os que sabem que agora podem cada vez menos e os que não sabem. Os primeiros fingem que podem, os segundos, à moda de Varoufakis, são um perigo.
27/Novembro
Quem é que podia adivinhar, em 4 de Outubro, que uma derrota nada poucochinha de António Costa ia pô-lo a primeiro-ministro?
11/Dez
Do obreirismo das últimas décadas temos em Viseu arquitectura muito má como o Pavilhão Multiusos, de Manuel Salgado, arquitectura mediana como o Mercado 2 de Maio, de Siza Vieira, e arquitectura excelente, sendo a melhor de todas o Forum Viseu, do catalão Joan Busquets; a intervenção de Souto Moura no Museu Grão Vasco é também muito boa.
18/Dezembro
Como se sabe, quando o governo é fraco, os lóbis fazem um festim. E isso já se vê: cheios de pressa, os homeopatas do bloco esganiçam-se no parlamento e os sindicalistas do PCP convocam greves; já os banqueiros, mulas velhas, fazem as coisas com discrição e eficácia. Enquanto a “Europa” fechar os olhos, a todos o governo atenderá cheio de bondade.
9 de Janeiro
José Sócrates vai, como disse António Costa, poder defender em tribunal a “verdade em que acredita”. E convém lembrar: os problemas de “liquidez” do ex-primeiro-ministro não fizeram dele um preso político.
Fotografia Olho de Gato |
24 de Abril
A chegada do “2020”, o dinheiro da “Europa”, fez regressar o sonho húmido preferido dos nossos políticos — as infra-estruturas.
Ele é a auto-estrada de Viseu para o sul com geografias cada vez mais estranhas.
Ele é um comboio novo-em-trinque na estação de Viseu.
Ele é um comboio recauchutado na estação de Mangualde.
29 de Maio
Esta última indignação do Facebook sobre o problema de física que “atirava” um gato abaixo de uma varanda quererá dizer que, no próximo parlamento, vamos ter um deputado do PAN — Partido pelos Animais e pela Natureza?
5 de Junho
Um azar, um recibo deitado ao lixo, uma via verde avariada, uma notificação perdida, e o “fascismo fiscal” em que vivemos penhora-nos o salário ou a pensão ou a casa.
31 de Julho
Como se viu neste desgraçado meio ano syrízico, a esquerda patina quando se encerra na crítica paroquial contra o “capital financeiro” ou contra a “sra. Merkel e o sr. Schäuble” (agora mais ele que ela). Uma abordagem “patriótica” a fazer coro com a sra. dona Marine Le Pen não leva a lado nenhum.
2 de Agosto
Depois dos milhões e milhões da “Europa” e das privatizações, as nossas elites deram-nos três bancarrotas, um estado disfuncional (só funciona o fisco) e endividado (com défices ano após ano); deram-nos um estado capturado (mal a troika saiu, logo os remédios recomeçaram a aumentar) e injusto (Ricardo Salgado destruiu a PT e as poupanças de milhares de pessoas mas continua a apanhar o sabonete no chuveiro de sua casa).
18 de Dezembro – dois dias antes do resgate do Banif
Como se sabe, quando o governo é fraco, os lóbis fazem um festim. E isso já se vê: cheios de pressa, os homeopatas do bloco esganiçam-se no parlamento e os sindicalistas do PCP convocam greves; já os banqueiros, mulas velhas, fazem as coisas com discrição e eficácia.
--------------
Os 52 Olhos de Gato publicados em 2015 no Jornal do Centro podem ser lidos, na sua integralidade, aqui neste blogue clicando na etiqueta Jornal do Centro.
A primeira leitura para esta selecção de fim-de-ano deu a seguinte enormidade (>21000 caracteres que depois foram devidamente tesourados para <2000):
9/Jan
José Sócrates vai, como disse António Costa, poder defender em tribunal a “verdade em que acredita”.
E convém lembrar: os problemas de “liquidez” do ex-primeiro-ministro não fizeram dele um preso político. Em democracia não há disso.
16/Jan
Gorbatchov queria reformar a URSS mas as elites soviéticas perceberam que eram elas que iam ficar com os despojos quando o regime desmoronasse e trataram do assunto. Os actuais plutocratas russos estavam próximos da cúpula soviética e conseguiram assegurar os favores do estado ou roubaram-no directamente.
23/Jan
Uma das melhores ideias surgidas no “orçamento participativo” da câmara de Viseu foi a de associar a cidade às tílias e ao chá de tília.
Ideia barata que faria muito pela imagem de Viseu. Pelo menos tanto como as festas e festinhas de António Almeida Henriques.
20/fev
As ditas "redes sociais" estão sempre à-beira-de-um-ataque-de-nervos: ora é por causa do cachecol Burberry do sr. Varoufakis (comprado há uns anos pela mulher dele por cinco euros), ora é por causa da mala Hermès da sra. Lagarde (que ela comprou por 5750 dólares na Quinta Avenida). Havemos de sobreviver desde que o Facebook continue a ter vídeos cutchi-cutchi de gatinhos e pensamentos de Fernando Pessoa que ele nunca escreveu.
27/Fevereiro
Há sempre um lobby capaz de pôr políticos a tirarem dinheiro aos cidadãos em seu benefício.
O país parece preparado para pregar um susto eleitoral aos partidos do sistema. É só aparecerem protagonistas novos credíveis
13/Março
Entre nós, a retórica da “voz grossa” contra a “Europa” e contra o “bom-aluno” totó que aceita tudo de Bruxelas é um clássico da política portuguesa. É por aqui que anda António Costa.
20/Mar
Uma coisa é certa: nesta matéria todos os contribuintes têm que ser “VIP”. O sistema informático do fisco tem que estar preparado para registar o “quem”, o “a quem”, o “quando” e o “quê” de todas as pesquisas. Se um funcionário de Arronches de Baixo, no dia 20 de Março, pelas 11H15, espreitar a situação fiscal do sr. António Costa de Lisboa, ou da sra. Antonieta Francisca de Portimão, esse funcionário tem de estar preparado para explicar porque fez isso.
E, se essa informação for parar a um órgão de comunicação social, o mínimo que se espera é que lhe seja levantado um inquérito e demais arsenal disciplinar da função pública.
3/Abril
Isto, a que se chama “condição de recursos”, tem um duplo efeito negativo:
(i) esburaca a rede de segurança da classe média — por exemplo, o abono de família já foi universal, agora não é, e fomos convencidos que assim é que está bem; na saúde e na educação está a trilhar-se o mesmo caminho;
(ii) é a bem conhecida “armadilha da pobreza” — só depois de completamente pobre a pessoa poderá, então, receber um apoio que a mantém pobre.
24/Abril
Recordemos: todos os quatro presidentes — Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco — tiveram dois mandatos. Os presidentes foram sempre reeleitos e isso não foi por acaso. É que, nos primeiros cinco anos, todos eles foram umas nulidades só preocupadas com uma coisa: a sua reeleição. Recordo os dois casos mais danosos — o presidente Soares aplanou a vida ao primeiro-ministro Cavaco até 1991 e o presidente Cavaco aplanou a vida ao primeiro-ministro Sócrates até 2011.
É por isso que seria desejável um mandato presidencial não renovável de sete anos, para evitar os decorativos cinco anos iniciais da função presidencial.
A chegada do "2020", o dinheiro da "Europa", fez regressar o sonho húmido preferido dos nossos políticos — as infra-estruturas.
Ele é a auto-estrada de Viseu para o sul com geografias cada vez mais estranhas. Ele é um comboio novo-em-trinque na estação de Viseu. Ele é um comboio recauchutado na estação de Mangualde.
1/Maio
A metapolítica — a decisão dos eleitos está a ser escondida ou empaliada. A ferramenta mais na moda é a dos orçamentos participativos (OP). Todos os presidentes de câmara e de junta querem um “participativo”. Onde a “situação” não avança para um OP, a “oposição” propõe um. Onde a “situação” toma a iniciativa, a “oposição” brada que é pouco.
Valha a verdade, o presidente da câmara de Viseu é um especialista em metapolítica. Para além do OP, ele usa todos os instrumentos que pode para empaliar ou lançar nevoeiro sobre a decisão política e respectiva responsabilidade. As únicas obras do seu mandato são comissões de “estratégia”, são “júris”, são “fóruns”, são concursos de “ideias”.
A oposição socialista percebeu-o e decidiu metapoliticar também: acaba de propor um referendo sobre o Mercado 2 de Maio, a ensombrada obra de Siza Vieira onde este, há 15 anos, plantou umas magnólias que nem assombram nem desassombram, antes pelo contrário.
8/Maio
O “arco da corrupção” — PS, PSD e CDS — está capturado pelo negocismo e o rentismo. As nossas elites não produzem riqueza, só sabem viver aconichadas ao estado.
O “arco do protesto” — Bloco e PCP — é formado por virgens que, para não pecarem, são sempre do contra e nunca querem ir para o governo.
Ora, este bloqueio ainda não vai ser resolvido nas próximas legislativas.
A nossa Segurança Social, para além de um fundo de reserva de 11 mil milhões de euros, tem 14 mil milhões de receitas por ano e gasta 13 mil milhões em pensões. Está, portanto, equilibrada e é sustentável.
Entretanto, apareceram uns “macroeconomistas” do PS de António Costa a quererem cortar 1,7 mil milhões de euros de receitas anuais da Segurança Social.
E se fossem antes mexer na herança da vovó deles e deixassem o futuro das pensões em paz?
15/Maio
Tremam, editores da Visão! Arreceiem, jornalistas da Sábado! Paniquem, homens da The New Yorker! António Almeida Henriques vai entrar no negócio. Vai editar uma revista municipal.
E registe-se: esta revista trimestral de distribuição gratuita vai só custar mais sete mil euros que o último orçamento participativo. Uma ninharia. Vão ser 82 mil euros supimpamente aplicados.
Perante tanta ligeireza, tanta festa e festinha a que agora se vem acrescentar o "papel-couché" revisteiro, o dr. Ruas só pode andar muito divertido.
22/Maio
Em “A Arte de Pensar Com Clareza”, Dobelli recenseia 52 erros comuns de raciocínio e, entre eles, o da “falácia do custo irreparável”: a pulsão que nos faz agarrar às coisas só porque nelas já investimos muito tempo, energia, dinheiro, amor, …
Ficar a ver até ao fim um filme intragável não adianta nada, o dinheiro do bilhete já foi gasto em vão. O avião supersónico Concord nunca seria rentável mas a Inglaterra e a França continuaram, ano após ano após ano, a enterrar dinheiro nele, incapazes de acabarem com o projecto. Não é por acaso que a “falácia do custo irreparável” também é conhecida por “efeito Concord”.
Mais situações: «já percorremos um caminho tão longo....», «já li tantas páginas deste livro...», «já dediquei dois anos a este curso...»
Explica Dobelli: “há bons motivos, e são muitos, para investir na conclusão do que foi iniciado. E há um mau motivo: pensar no que foi investido. (...) O que conta é o presente e a avaliação que somos capazes de fazer quanto ao futuro.”
29/Maio
As redes sociais estão sempre à-beira-de-um-ataque-de-nervos, com o pessoal indignado a “malhar” em alguém.
O alvo preferido do nosso Facebook é Isabel Jonet, do Banco Alimentar. Ela na logística da comida é boa, mas nas televisões é uma desgraça. É razoável pensar que é melhor assim que ao contrário. Mas ai de quem a defenda no Facebook.
(…) o bem-estar animal é um adquirido civilizacional que vê com maus olhos, até, animais nos circos.
Esta última indignação do Facebook sobre o problema de física que “atirava” um gato abaixo de uma varanda quererá dizer que, no próximo parlamento, vamos ter um deputado do PAN — Partido pelos Animais e pela Natureza?
5/Junho
Um azar, um recibo deitado ao lixo, uma via verde avariada, uma notificação perdida, e o “fascismo fiscal” em que vivemos penhora-nos o salário ou a pensão ou a casa. O sr. Paulo Campos, o homem que instalou a ladroagem dos pórticos, é um Rutger Hauer, o vilão do excelente filme que correu em Portugal com o mesmo título desta crónica.
12/Junho
a concessão em 2008 das novas barragens à EDP por 700 milhões de euros para "compor" o défice daquele ano foi uma irracionalidade económica e ecológica; ainda por cima, destruiu a beleza única do vale do Tua; poucos anos depois, aquela operação desastrosa — feita por um terço do seu valor de mercado — escorregou pelas três gargantas chinesas abaixo;
— a migração da televisão analógica para a TDT, levada a cabo pela PT, mais bem dito, levada a cabo pelo divino espírito santo que era quem mandava na PT, obrigou os portugueses a gastar dinheiro para ficarem com... os mesmos quatro canais que já tinham. Até a TDT grega tem 17 canais. Foi um golpe inqualificável nos portugueses mais pobres, mais sós e mais velhos.
26/Junho
Contudo, o balanço global dos dois mandatos de Cavaco Silva é negativo porque falhou nas duas funções principais do poder moderador:
(i) um PR deve ser a válvula de escape do "vapor" acumulado pela conflitualidade política; um PR deve ouvir e dar voz aos "perseguidos" e aos "vencidos" pelos governos. Ora, Cavaco ao "mata" de Sócrates disse sempre "esfola" (que o digam os professores no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues); ora, Cavaco ao "mata" de Passos "esfolou" ainda mais depressa;
(ii) um PR deve ser um símbolo e um factor de unidade nacional e Cavaco Silva não o conseguiu ser no seu segundo mandato; tudo começou logo na noite da segunda vitória quando ele não teve grandeza para ultrapassar a campanha sujinha feita pelo poeta Alegre e o tiririca Coelho da Madeira.
17/Julho
Em poucos meses, a dupla Tsipras-Kamménos conseguiu duas coisas: secar os bancos gregos e duplicar o número de eurocépticos e anti-europeus.
Marine Le Pen, Nigel Farage, Pablo Iglésias, e demais nacionalistas europeus, aplaudem os seus congéneres de Atenas. O sr. Putin esfrega as mãos. A máquina de simplificação populista que ele teleguia está mais eficaz do que nunca.
Depois do espalhanço syrízico, os papagaios nas televisões repetem agora um novo mantra: «a 'Europa' morreu». Claro que a UE não morreu, mas precisa de ser retirada do seu labirinto antidemocrático e autoritário.
Os cidadãos têm que poder eleger directamente o “sr. Europa" ou a "sra. Europa", um eleito que trate do interesse europeu pelo menos tão bem como Angela Merkel trata do interesse alemão.
Mas a humilhação não é só para quem recebe. A humilhação também é para quem é recebido. A primeira pergunta a fazer à cabeça de lista do PS é esta: «Maria Manuel Leitão Marques, por que razão o PS-Coimbra não a quis?»
24/Julho
No último Olho de Gato chamei a atenção para a mania que há na “Europa” de decidir tudo em grandes maratonas negociais que se prolongam até altas horas da madrugada. E lembrei: “grupos grandes tendem a decidir mal, grupos grandes e com sono é asneira certa.”
Regressemos ao tema: porque é que grupos grandes tendem a decidir mal? Rolf Dobelli, em 'A Arte de Pensar Com Clareza' chama a este fenómeno “preguiça social”. Acontece em grupos em que o esforço individual possa ficar diluído no colectivo. Quanto maior o grupo, mais ronha tenderá a fazer cada elemento. Se os resultados forem bons — “por acaso foi ideia minha”. Se forem maus — “por acaso foi ideia do grupo”; a isto os especialistas chamam «difusão de responsabilidade».
31/Julho
Como se viu neste desgraçado meio ano syrízico, a esquerda patina quando se encerra na crítica paroquial contra o “capital financeiro” ou contra a “sra. Merkel e o sr. Schäuble” (agora mais ele que ela). Uma abordagem “patriótica” a fazer coro com a sra. dona Marine Le Pen não leva a lado nenhum.
Tal como é necessária democracia com a eleição do “sr. Europa”, também as lutas dos trabalhadores têm que se tornar supranacionais, com sindicatos europeus.
Taxas moderadoras na interrupção voluntária da gravidez, muito bem. Nem se percebe por que razão elas ainda não são cobradas.
Consultas psicológicas compulsivas, como querem o PSD e o CDS, muito mal. E anti-deontológico. Profissional que as faça contra a vontade da mulher, alegando o clássico “estou a cumprir ordens”, deve ser posto a limpar retretes em Nuremberga.
7/Agosto
Depois do líder António Costa ter sido eleito em primárias por um selectorado de 178 mil pessoas, o PS regressou às reuniões de sótão e às missas maçónicas para fazer as listas de deputados. A coisa deu barraca e não só em Viseu.
Os nomes das listas não contam para o resultado, o que conta é a tendência nacional de voto. Em ano de maré da direita, esta faz seis deputados no distrito (chegou aos sete no apogeu cavaquista). Em ano de maré rosa, o PS chega aos quatro e a direita fica-se pelos cinco.
Pondo nomes e não chapéus-de-palha: os viseenses elegem Isaura Pedro que perdeu a câmara de Nelas depois de ter levado aquele município à falência ou elegem Marisabel Moutela, a anónima aparelhista que António Borges trouxe da folha de pagamentos da câmara de Resende?
Em resumo é isto. Isto vai dar muita conversa nos jornais, blogues e redes sociais. Mesmo sendo só isto.
14/Agosto
Estes dias de chanatos e calções pedem crónicas light. Dias descomplicados, dias de fartura com os nossos queridos emigrantes a comerem farturas, e nós com eles, nas festas das nossas aldeias. Dias de Feira de S. Mateus com um rancho no palco e outro no prato mas com parágrafos sem colesterol. Nem do bom nem do mau.
O simpático governante brasileiro tanto desejou acentuar o lado material da nossa querida língua que até escreveu que ela “deposita know how" [sic].
Caro Juca Ferreira, é tão bom quando cê escreve "midialivrista". Quando escreve "know-how" não é tanto, acredite, embora não faça mal nenhum. A gente por cá, embora menos tecno-anglicista, alcança tudo. Percebe todo os imeios que nos enviar, acredite. Não tenha medo da diferença lexical, sintáCtica e ortográfica, homem. Acredite: quanto mais diversas e mais criativas forem as várias variantes da nossa língua comum, mais impacto ela terá no, como diz, "contexto global".
Mermão, repare na língua de negócios do mundo: o inglês tem dezoito grafias diferentes. Vê alguém a querer que os australianos escrevam da mesma maneira que os canadianos? Sabe porque é que eles não perdem tempo com esse tipo de projeCtos, meu caro? Porque eles têm know-how.
28/Agosto
Depois dos milhões e milhões da “Europa” e das privatizações, as nossas elites deram-nos três bancarrotas, um estado disfuncional (só funciona o fisco) e endividado (com défices ano após ano); deram-nos um estado capturado (mal a troika saiu, logo os remédios recomeçaram a aumentar) e injusto (Ricardo Salgado destruiu a PT e as poupanças de milhares de pessoas mas continua a apanhar o sabonete no chuveiro de sua casa).
As nossas elites não criam riqueza, vivem aconichadas ao estado e compram a decisão política. E, com Barroso e Sócrates, habituaram-se a consegui-la barata. Veja-se o caso dos submarinos ou das PPP ou da Parque Escolar.
4/Setembro
Agora, a esfera pública é feita de clivagens entre um «nós» e um «eles», sendo este «eles» o que der mais jeito: os “funcionários” no tempo do barrosismo, os “professores” no socratismo, os “alemães” no syrizismo luso, os “grisalhos” no dizer sem cabeça de um cabeça-de-lista do PàF.
Esta “construção do inimigo” (expressão de Umberto Eco) é levada ao extremo nas “democracias populistas”, à moda da Hungria ou da Grécia, em que a maioria arrasa tudo. São políticas avessas ao compromisso e ao consenso, valores primeiros das sociedades liberais e os valores com que se fez a “Europa”.
25/Setembro
O primeiro-ministro grego está também encalhado. Não é num dia mas é num ano — 2015. O seu despertador já tocou três vezes: em Janeiro numas legislativas, em Julho num referendo e agora em Setembro em mais umas legislativas. Já teve três oportunidades para acordar e acertar o tiro.
E não têm sido poucos os fiascos de Alexis: apostou no contágio grego ao sul da “Europa”, e Hollande, Renzi, Rajoy e Passos deixaram-no a falar sozinho; apostou na aproximação à Rússia mas Putin pouco mais lhe pôde dar do que umas palmadas amigas nas costas; apostou no confronto com os credores e, quanto mais soltou a sua xenofobia anti-germânica, mais os gregos levaram os euros para debaixo do colchão, até que ele teve que fazer um “corralito” às contas bancárias e aceitar as duras condições de um terceiro resgate.
2/Outubro
Há um facto que não é suficientemente explicado às pessoas — cada voto rende ao partido que o recebe €3,11 por ano. Desde que um partido obtenha pelo menos cinquenta mil votos numas legislativas, ele recebe essa subvenção pública quer eleja deputados quer não.
É importante que o eleitor saiba isso para dar a utilidade que achar melhor ao seu voto: votar para eleger deputados ou votar meramente para dar os €12,44 de uma legislatura ao partido de que gosta, mesmo que ele não eleja nenhum deputado no seu distrito ou no país. Ou para, caso não queira entregar esse dinheiro a ninguém, inutilizar o voto.
A abstenção, essa, deve ser evitada.
9/Outubro
Mesmo depois de quatro anos duros, a direita viseense conseguiu ganhar em todos os concelhos e manter os mesmos seis deputados. Mérito de Mota Faria, demérito de António Borges, o líder distrital do PS.
16/Outubro
Nunca na nossa terceira república houve querela sobre regras ou sobre quem ganhou e quem perdeu umas eleições. Mas agora há: se ficar a governar a direita, a esquerda achará ilegítimo; se ficar a governar a esquerda, a direita achará ilegítimo.
Este sarilho enfraquece o próximo governo e vai levar a eleições antecipadas. Quanto mais elas demorarem mais o país vai apodrecer. Podem ser já na próxima primavera, professor Marcelo Rebelo de Sousa?
23/Outubro
Entretanto, a coligação de direita já “dá” mais de mil milhões de euros em concessões ao PS. O que Costa está a conceder ao bloco e à CDU para se manter ao de cima da água não se conhece mas adivinha-se.
É o nosso fado: ir de bancarrota em bancarrota.
6/Novembro
Tudo à espera. Os candidatos presidenciais fingem-se de mortos quando lhe perguntam sobre o assunto mais quente que vai sobrar para o próximo inquilino do Palácio de Belém — quando vamos ter eleições legislativas antecipadas?
Maria de Belém vai visitando santas casas da misericórdia enquanto Sampaio “Diapasão” da Nóvoa, sem nada para dizer como de costume, elabora sobre o “tom de desafio” (sic) ou o “tom certo” (sic) dos discursos de Cavaco.
Já Marcelo Rebelo de Sousa tanto se adentra na Festa do Avante como fala na Voz do Operário, enquanto o PSD e o CDS — quais Nanni Moretti no filme “Abril” — baralham as mãos e imploram: «diga qualquer coisa de direita, professor!»
Está tudo à espera.
13/Novembro
Afinal, em vez de um, foram três os “papéis” assinados entre o PS e o Bloco, o PCP e o PEV, numa cerimónia à porta fechada.
Neles, há muitas coisas boas. A melhor de todas é o abandono da ideia de Centeno de reduzir a TSU que ia causar um rombo estúpido na segurança social, como foi aqui explicado antes das eleições. Contudo, em nenhum daqueles “papéis” se encontra uma ideia de projecto, de futuro.
Neles, só há um objectivo: o regresso ao Portugal anterior à bancarrota de 2011. Ora, isso é impossível. E indesejável.
Neles, os partidos de esquerda nada dizem sobre a “Europa” e as nossas obrigações orçamentais — devem julgar que podem evitar o pingamento do nariz nos dias frios só por não falarem em “constipação”.
Quanto tempo esta construção em esferovite de António Costa vai resistir aos abanões cruzados do comité central e do eurogrupo?
O professor tem a sorte de não haver à esquerda nenhum candidato forte, mas, depois desta semana, e vou usar uma expressão à Marcelo-comentador, a sua eleição já não é "trigo-limpo-farinha-Amparo".
20/Novembro
Na economia o mesmo: as grandes corporações estão cada vez mais sujeitas a desastres reputacionais ou tecnológicos — vejam-se os casos da VW ou da Kodak. E, acossadas, elas precisam de adoptar estratégias comerciais de nicho para darem resposta aos pequenos.
Temos um governo em gestão há 47 dias e o país está a funcionar. A Bélgica teve um 541 dias e tudo correu na perfeição. O impasse só acabou quando a Standard & Poor's decidiu baixar a notação da dívida belga.
Os políticos, coitados, dividem-se em dois grupos: os que sabem que agora podem cada vez menos e os que não sabem. Os primeiros fingem que podem, os segundos, à moda de Varoufakis, são um perigo.
27/Novembro
Quem é que podia adivinhar, em 4 de Outubro, que uma derrota nada poucochinha de António Costa ia pô-lo a primeiro-ministro?
11/Dez
Do obreirismo das últimas décadas temos em Viseu arquitectura muito má como o Pavilhão Multiusos, de Manuel Salgado, arquitectura mediana como o Mercado 2 de Maio, de Siza Vieira, e arquitectura excelente, sendo a melhor de todas o Forum Viseu, do catalão Joan Busquets; a intervenção de Souto Moura no Museu Grão Vasco é também muito boa.
18/Dezembro
Como se sabe, quando o governo é fraco, os lóbis fazem um festim. E isso já se vê: cheios de pressa, os homeopatas do bloco esganiçam-se no parlamento e os sindicalistas do PCP convocam greves; já os banqueiros, mulas velhas, fazem as coisas com discrição e eficácia. Enquanto a “Europa” fechar os olhos, a todos o governo atenderá cheio de bondade.
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