Mordomos*

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro



1. Em 2010, o supremo tribunal americano, no caso "Citizens United versus Federal Election Commision", decidiu que qualquer empresa, sindicato ou associação pode contribuir sem limites para as campanhas políticas, com o fundamento absurdo de que as entidades colectivas devem ter os mesmos direitos que os indivíduos. Onde havia "um-homem-um-voto" passa a haver uma espécie de "um-dólar-um-voto".

Como explica Guy Standing, em "O Precariado A Nova Classe Perigosa", este "acontecimento retrógado" vai chegar a "todo o lado" já que as decisões do supremo americano tornam-se "precedentes globais".




2. Durão Barroso e José Sócrates não precisaram de esperar por este "precedente global" americano para misturarem política com negócios. Eles fizeram o papel de "mordomos" políticos de Ricardo Salgado e a coisa correu mal. Levou-nos à bancarrota de 2011 e tudo quanto é grande empresa, seja ela rentista ou produtiva, foi sendo adquirida por capital estrangeiro.

No trambolhão foram-se os dois mastodontes do regime — a EDP e a PT. Décadas de acumulação patrimonial, proveniente de preços protegidos, estão agora ao serviço de estratégias não portuguesas.

Lembro um negócio de energia e outro de media que ajudaram a esta descida ao inferno:

— a concessão em 2008 das novas barragens à EDP por 700 milhões de euros para "compor" o défice daquele ano foi uma irracionalidade económica e ecológica; ainda por cima, destruiu a beleza única do vale do Tua; poucos anos depois, aquela operação desastrosa — feita por um terço do seu valor de mercado — escorregou pelas três gargantas chinesas abaixo;

— a migração da televisão analógica para a TDT, levada a cabo pela PT, mais bem dito, levada a cabo pelo divino espírito santo que era quem mandava na PT, obrigou os portugueses a gastar dinheiro para ficarem com... os mesmos quatro canais que já tinham. Até a TDT grega tem 17 canais. Foi um golpe inqualificável nos portugueses mais pobres, mais sós e mais velhos.


Comentários

  1. “Quando abandonamos o nosso mundo para imaginar outro ficamos prisioneiros. Isto pode pôr um homem de esquerda aos gritos, mas acho que devemos ir até ao fim: reabilitar o Estado! Creio que, para enfrentar os nossos problemas, teremos cada vez mais necessidade de uma grande formação social. Diz-se que o Estado perde poder, mas não é verdade. O capitalismo de hoje depende cada vez mais dos regulamentos do Estado. Quando Hegel diz que o Estado é a existência visível de Deus, é capaz de ser verdade! O problema da esquerda é que sonha à distância em vez de se reapropriar do Estado.”

    SLAVOJ ZIZEK - Entrevista a Robert Maggiori e Anastasia Vécrin
    Libération, 5 Junho 2015

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    1. Caro Rui Monteiro

      Slavoj Zizek é um sátiro, um ogre com gosto para os paradoxos.

      Comecei-o com "Bem-vindo ao Deserto do Real" e foi uma epifania, a cinefilia como "máquina de perceber o mundo".

      Depois comecei a perceber que aquela prolixidade barroca era uma pescadinha de rabo-na-boca para ler como ludos mas nã.o muito a sério.

      Assim o leio agora.

      Aqui, neste extracto ao Libé, o homem põe o caso no plano justo - a importância do estado e a sua centralidade - mas, do resto não diz nada de novo depois de demolir o status-quo.

      Em "O Ano em Que Sonhámos Perigosamente" (2011 - o ano das primaveras árabes e dos occupy) o homem avançou com a necessidade de uma "radicalidade nova" - e depois pediu para não se ter medo das palavras, que precisávamos da ditadura do proletariado (sic), "proletariado", o homem vive no sec. XIX.

      Parei de o ler ao sexto ou sétimo livro. Como dele disse o grande Tony Judt, SZ é uma celebridade na mesma medida que Paris Hilton é, porque é conhecido.

      Tony Judt percebeu mesmo a centralidade do estado, como a questão que atravessou verdadeiramente o panorama intelectual do século XX e não, como rezam as historiografias mais apalavradas, as querelas do comunismo vs capitalismo; democracias vs autarcias.

      No século XXI, penso eu, as questões subirão para os supra-estados que resolvam os problemas supranacionais.

      Muito obrigado pelo seu comentário que honra este modesto estabelecimento.

      Cumprimentos

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  2. Há 4 anos que o dia 1 de abril é sempre que o governo quiser.

    "Em menos de 1 mês privatizam a TAP, em 3 meses não conseguem colocar professores nas escolas!" - Mariana Mortágua
    E andou D. Afonso Henriques à porrada com a mãe para isto…..

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  3. O contribuinte/consumidor tem de ser dotado duma maior capacidade negocial
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    Existem empresários que compram empresas concorrentes com o objectivo de obter um certo domínio num determinado segmento do mercado... depois... ao alcançarem um certo domínio no seu segmento de mercado, forçam os fornecedores a baixar os preços, isto é, ou seja, reduziram a capacidade negocial do fornecedores.
    Existem políticos/marionetas que fazem o mesmo tipo de trabalho: leia-se, privatizam empresas estratégicas com o objectivo de reduzir a capacidade negocial do contribuinte/consumidor... beneficiando, desta forma, certos grupos económicos.
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    Exemplo 1: Há alguns anos atrás quiseram introduzir taxas em cada levantamento multibanco... todavia, no entanto, o banco público C.G.D. apresentava lucros sem ser necessário mais uma taxa... o pessoal que queria introduzir mais uma taxa lá teve de amochar!...
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    Exemplo 2: A EDP Renováveis vende a energia eólica a 60 euros o MWh em Espanha, nos Estados Unidos a cerca de 50 euros, e em Portugal vende a 100 euros... o contribuinte/consumidor, de mãos-atadas, tem de comer e calar!
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    RESUMINDO: uma empresa pública em concorrência no mercado, a apresentar lucro, confere ao contribuinte/consumidor uma elevada capacidade negocial!
    CONCLUINDO: por meio de referendo o contribuinte/consumidor deve decidir em que segmentos de mercado deve existir a concorrência de empresas públicas, isto é, ou seja, o contribuinte/consumidor deve decidir em que segmentos de mercado deve possuir uma maior capacidade negocial.
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    P.S.
    Não há necessidade do Estado possuir negócios do tipo cafés (etc), porque é fácil a um privado quebrar uma cartelização... agora, em produtos de primeira necessidade (sectores estratégicos) - que implicam um investimento inicial de muitos milhões - só a concorrência de empresas públicas é que permitirá combater eficazmente a cartelização privada.
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    P.S.2.
    http://concorrenciaaserio.blogspot.pt/
    http://fimcidadaniainfantil.blogspot.pt/

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