Sobrevivências e Subserviências * — por JB

* Comentário que JB deixou à crónica de sexta-feira no Jornal do Centro "Sobrevivências":



1. O texto do sr Gato é muito abrangente e com um humor felino quase letal.

Sobrevivências e subserviências são dois sinais dos tempos terríveis que estamos a atravessar e da ausência de esperança.

Começo por recordar o poema, na versão mais conhecida – «Primeiro levaram os judeus, // mas não falei, por não ser judeu. // Depois, perseguiram os comunistas, // Nada disse então, por não ser comunista. (…)» – publicada em 1933 e da autoria de Martin Niemöller (o pastor luterano alemão antinazi que um dia interpelou pessoalmente Hitler e por isso pagou elevado preço) a que junto:


“… Ser solidário assim tão longe e perto
No coração de mim por mim aberto
Amando a inquietação que permanece
Pr’além da inquietação que me apetece
foi como me lembrei de começar …”
“Ser Solidário” 
José Mário Branco




Até há pouco, a solidariedade parecia corresponder a um irreversível sinal de desenvolvimento. Mas a mudança brutal dos códigos sociais a que temos assistido está a alterar rapidamente a afirmação desse sinal. O sociólogo Émile Durkheim falava da solidariedade como um elo moral capaz de unir os indivíduos do mesmo grupo e de funcionar como factor de coesão. Sem ela, as sociedades dissolver-se-iam e os humanos voltariam a viver em bandos, centrados na sobrevivência e numa interminável guerra de todos contra todos.

Numa notável entrevista ao caderno 2, do Público, (26 de Maio de 2013) António Sampaio da Nóvoa, referia-se numa frase certeira àqueles que, na actual situação de completo aviltamento da vida dos portugueses e da própria independência do país, imposto por políticas cegas e criminosas que estão a empenhar o futuro que é de todos: «em tempos tão duros como os de hoje ninguém tem o direito de ficar em silêncio». Vale a pena sublinhá-la porque é disso mesmo que se trata: quem cala consente, quem nada faz porque pensa que não vale a pena cava a própria sepultura, quem se refugia na vidinha estritamente caseira, pessoal, e esquece o colectivo, pagará por isso.


Imagem daqui

E aqui chegamos à Grécia, que, nas actuais circunstâncias, é um indicador de futuro para os países e as populações que mais carregam o peso da crise económica e política. O mundo da finança e político europeu (com dois socialistas (!!!) no topo) continua a querer fazer dela um exemplo, e na tentativa de punir o Estado da zona euro que lhe parece mais frágil, continua a fazer uma forte pressão e a colocar o governo numa situação dramática. No entanto, é lá também que se começam a definir as alternativas. Se todos os olhares se voltam para Atenas, é porque se torna urgente escolher a Europa que se quer reerguer. Será um combate pela construção de uma alternativa justa e democrática. A história dos últimos dias e horas obriga-nos a repensar o futuro e os modelos, sem dúvida, mas também nos desafia a olhar a realidade e a procurar soluções.

“Pr’além da inquietação que me apetece”, diz o José Mário Branco e se, por cá, pudéssemos vislumbrar uma alternativa política, uma viragem associada a uma política mais solidária e mais justa, menos cínica e insensível, que propaga uma perigosa indiferença, estaríamos a construir a diferença, assente numa aproximação das esquerdas, assente num programa partilhado de reabilitação do país, de reconquista da dignidade, a contrariar o desânimo e a mobilizar a maioria dos cidadãos para a regeneração da democracia.

Alfredo Barroso (mais um nome convenientemente colocado na prateleira do esquecimento) no seu livro – “A Crise da Esquerda Europeia” - coloca o dedo na ferida: «como explicar que o evidente fracasso do neoliberalismo não tenha provocado uma forte reacção política e um sobressalto ideológico dos partidos da esquerda europeia que alternam no poder com partidos de direita?».

2. Sobre o ponto dois (Mirita Casimiro), apenas e só a constatação local do “atavismo português curto de vistas e instalado no endémico marasmo”, ou seja a minha quinta, o meu quintal e a minha horta…
JB

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