Condição de recursos*

* Texto publicado no Jornal do Centrohá exactamente dez anos em 3 de Abril de 2015



Fotografia Olho de Gato
No início de 2011, um viseense viu a sua pensão de invalidez cortada de 189 para 91 euros por ter uma poupança no banco de vinte mil euros. O caso na altura foi muito falado nos media.

Ele queixou-se, e com razão, daquela injustiça. É que se tivesse espatifado a herança do pai não lhe tesouravam a pensão.

Para terem direito a certas prestações, as pessoas passam por um calvário burocrático e têm de autorizar o acesso à sua informação bancária. Depois, se o seu património ou rendimentos exceder um determinado valor, vêem as suas prestações diminuídas ou recusadas.

Isto, a que se chama “condição de recursos”, tem um duplo efeito negativo:

(i) esburaca a rede de segurança da classe média — por exemplo, o abono de família já foi universal, agora não é, e fomos convencidos que assim é que está bem; na saúde e na educação está a trilhar-se o mesmo caminho;

(ii) é a bem conhecida “armadilha da pobreza” — só depois de completamente pobre a pessoa poderá, então, receber um apoio que a mantém pobre.

Há quem vá ainda mais longe: Lawrence Mead, conselheiro do governo britânico, pôs o governo de David Cameron a persuadir os candidatos às prestações sociais a culparem-se a si próprios.

As portas deste deslaçamento social foram abertas pela esquerda. Bill Clinton foi o pioneiro, usou-o para diminuir o custo da mão-de-obra. A terceira-via de Blair aprofundou-o. Entre nós entrou em velocidade de cruzeiro durante o autoritarismo negocista socrático.

Correia de Campos chegou a anunciar para o SNS pagamentos diferenciados conforme o rendimento mas não chegou a concretizar isso. Felizmente, o homem foi ejectado do governo a tempo.

A direita aproveitou estes instrumentos fornecidos pela social-democracia, misturou-os com o preconceito contra a “preguiça” e o “vício” nos subsídios, e nunca mais parou.

E está difícil de parar. Vejam-se os resultados nas eleições na Madeira e na França do último domingo.

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