Pinóquios *

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos em 31 de Dezembro de 2004


1. Fernanda Montenegro é uma actriz brasileira, com uma longuíssima e premiada carreira no cinema, no teatro e na televisão. Tem 74 anos de uma vida rica e de uma vida bem aprendida. 

Percebi isso melhor, ao ler uma entrevista dela, numa publicação de Setembro do Teatro Nacional de S. João, do Porto.

A certa altura, perguntaram-lhe: “Entre um bom carácter e um grande artista, que escolha faria?” Fernanda Montenegro respondeu: “Particularmente, o bom carácter. O bom carácter não se trai a si mesmo, não trai o seu amigo, não trai o seu lar. Não trai a sua vida.”

2. Esta resposta de Fernanda Montenegro fez-me lembrar uma história acontecida com Luis Buñuel e Salvador Dali. Para avivar a memória, acabo de a ir reler num texto de João Bénard da Costa, publicado pela Cinemateca Portuguesa:

Luis Buñuel, que nasceu numa família rica, passou pela primeira vez dificuldades económicas em 1940. Tinha 40 anos, mulher e dois filhos. A Guerra Civil espanhola tinha acabado pelo que ele não podia regressar a Espanha onde os franquistas lhe tinham posto a cabeça a prémio. Luis Buñuel conheceu, então, Iris Barry, fundadora da Cinemateca do Museu de Arte Moderna de Nova York, que o convidou para trabalhar lá, com magníficas condições. Assim aconteceu de 1940 a 1943, anos em que Buñuel fez milhares de documentários anti-nazis, em versões inglesas, espanholas e portuguesas.

Salvador Dali conseguiu que ele fosse despedido ao publicar umas memórias em que perguntava como era possível haver uma instituição americana que pagasse a um comunista e a um ateu como Buñuel. Este, nos anos seguintes, passou muitas dificuldades. Acabou por continuar a sua carreira no México, país onde fez filmes geniais e onde se naturalizou em 1949.

Mal vi Fernanda Montenegro dizer que preferia um bom carácter a um grande artista, lembrei-me logo de Salvador Dali e Luis Buñuel.
Salvador Dali, grande artista? Talvez; mas um mau carácter. Prefiro e preferirei sempre Buñuel.

Pinóquio, espectáculo da Acert (2009)
Fotografia de Zé Tavares
3. A Science News, de 31 de Julho, trazia um artigo intitulado “Detecção de enganos – psicólogos tentam perceber como localizar um mentiroso”.

Os investigadores chegaram às seguintes conclusões: os aldrabões tendem a mover menos as mãos, os braços e os dedos; pestanejam menos e têm a voz ligeiramente mais tensa e/ou mais alta. Segundo este estudo, o esforço extra necessário a dar consistência às suas histórias, leva os mentirosos a restringirem os movimentos, a fazerem pausas entre as palavras e a darem menos erros discursivos que as pessoas que estão a dizer a verdade.

O problema é que, como sempre nas Ciências Humanas, o estudo só nos dá tendências estatísticas e há mais incertezas que certezas perante um determinado caso concreto. É que não existe o nariz do Pinóquio, embora haja Pinóquios. Estes, até porque não têm nariz, vão continuar a passar entre os pingos da chuva.

4. A Grande Área Metropolitana de Viseu (GAMVis) continua dentro do guião aqui antevisto no Olho de Gato, de 26 de Setembro de 2003.

Na cerimónia de constituição da GAMVis, há três meses, em plena crise das portagens das nossas auto-estradas, crise inventada pelo governo de Santana Lopes, não se ouviu uma voz de defesa da região, não se ouviu uma voz na defesa dos interesses das 350 mil pessoas desta Área Metropolitana e que vão ser servidas pelas futuras A25 e A24. Ouvimos, e só, mercearia política.

Em Novembro, formou-se uma Comissão Instaladora, de bloco central, para dirigir a GAMVis.

Finalmente, na semana passada, fez-se a eleição duma lista única para a Assembleia Metropolitana. Esta eleição foi indirecta já que a opinião dos cidadãos, no caso, não conta para nada.

A Grande Área Metropolitana de Viseu continua um zombie político.

Será que vai animar na fase seguinte, a fase das remunerações, dos empregos e dos tachos?

5. Um bom 2005 para todos.

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