Pssssst!!!!!*

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro



1. O dramaturgo Botho Strauss imaginou uma cena num restaurante cheio de pessoas, com muito bruáá de conversas e do tilintar de loiças e talheres, em que, de súbito, um indivíduo solta um vigoroso «pssssst!»

O restaurante pára, cai um silêncio, estacam as travessas nas mãos dos empregados, todos os olhares convergem para a criatura que, com o mesmo vigor, passados uns bons segundos, atira: «nada, não é nada!»

O restaurante aos poucos regressa à primeira forma. Risos meio esparvoados nas mesas, a rirem-se do homem, claro. Por breves segundos, ele conseguira organizar aquele caos, conseguira segundos mágicos focados nele.

Daniel Innerarity, logo no início de “O Novo Espaço Público”, um livro imprescindível para quem queira perceber estes tempos, explica que fazer hoje política é como fez o homem do restaurante — um conseguir a atenção à bruta.

Henrique Neto, Paulo Morais, Sampaio da Nóvoa, Paulo Freitas do Amaral e Cândido Ferreira acabam de chegar ao restaurante das presidenciais e disseram «pssssst!» Parámos para os ouvir, e eles: «nada, não é nada!». Já recomeçaram as conversas e os risos.

2. No início de Verão de 2011, logo a seguir à derrota socialista nas legislativas, contei esta história do homem do restaurante a uma sala presidida por António José Seguro e enchusmada de vips socráticos já metamorfoseados em vips seguristas sem o menor sobressalto de alma. Contei a história e soltei um «psssst!» vigoroso. A plateia, viciada em politiquês, arregalou os olhos de estranheza.

Fotografia AFP achada aqui
Já sabia que era em vão, mas, mesmo assim, a seguir dei as razões que aconselhavam a que o PS fizesse um balanço honesto do autoritarismo negocista socrático. 

E acrescentei: «tenho saudades do engenheiro Guterres, do engenheiro Sócrates não tenho nenhumas.»

Guterres, como se acaba de saber, em matéria de saudades não “reciproca”.

Segue-se um presidente da república de direita mais dez anos.

Comentários

  1. NÃO SEREI PRESIDENTE

    Quero deixar todos os meus amigos descansados quanto à minha eventual candidatura à Presidência da República. Não serei até porque na passada reunião de condomínio ficou assim determinado. A minha família está com a minha tomada de decisão e confessou não ter treino para salamaleques de S. Bento. Os meus filhos,netos, sobrinhos e restante prole queriam-me na televisão mais vezes a substituir o Avô Cantigas. Paciência !

    O espaço que eu desejaria ocupar já foi ocupado por um tipo que eu não conheço mas parece, segundo informações de última hora, vir da esquerda do centro da direita à esquerda.

    (Ideia original do meu amigo CC,que adaptei)

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  2. Memórias, não presidenciais!

    Completam-se hoje 46 anos do dia em que a Academia de Coimbra se ergueu contra a Ditadura.
    Na manhã de 17 de Abril de 1969, por ocasião da inauguração do Edifício da Matemática. Vieram a Coimbra os Ministros das Obras Públicas, da Educação (o Prof. Hermano Saraiva) e o então Presidente da República, Almirante Américo Tomás. Em determinado momento, Alberto Martins, Presidente da AAC pede a palavra ao Presidente da República, com uma pergunta que calou a sala:
    «Sua Ex.ª, Senhor Presidente da República, dá-me licença que use da palavra nesta cerimónia em nome dos estudantes da Universidade de Coimbra?»

    A Associação Académica foi demitida e os seus dirigentes suspensos da UC, houve assembleia Magna, nela compareceram Professores sonantes em apoio aos estudantes pondo a sua carreira em perigo, o Doutor Orlando de Carvalho e o Doutor Paulo Quintela que, com a sua voz que mais parecia vozeirão, disse para os estudantes: "Só quem vos elegeu vos poderá demitir". Foram dias quentes. Os constantes carros da polícia (os “creme nívea”) a patrulhar a cidade; a polícia de choque por todo o lado; os cavalos da GNR nas escadas monumentais, as paredes pintadas dos prédios (“aqui mora uma traidora”), aluna que tinha furado a greve aos exames, e ainda mais…e mais…

    Mas o dia 22 de junho de 1969 ficará para sempre na memória. A Briosa foi à final da Taça de Portugal, no Jamor. A Academia está de luto académico e quis jogar de branco (côr do luto académico) mas não foi autorizada a tal. Os jogadores da Académica subiram ao campo de capa ao ombro para defrontarem o Benfica. Imagem inonvidável!
    E tudo parecia estar bem encaminhado quando Manuel António fez o 0x1 para a Académica a nove minutos do fim. Quatro minutos depois António Simões repôs a igualdade e obrigou a prolongamento. No tempo extra, os academistas perderam o ritmo e o Benfica, através do inevitável Eusébio, marcou o segundo golo e deitou por terra o sonho dos estudantes. Chorámos de raiva pela derrota futebolística. No campo a Académica perdera, mas fora dele, o resultado seria diferente...
    Os cartazes levantados, os panfletos largados, tornaram a final da Taça de Portugal no maior comício de sempre contra a Ditadura. Aliás, o jornalista Carlos Pinhão, anos mais tarde, apelidou mesmo o jogo entre a Briosa e os encarnados como "um dos maiores comícios de sempre contra o regime".

    17 de Abril 1969 foi um marco inesquecível é incontornável na luta estudantil e na luta contra o regime fascista que desembocou no também inolvidável dia 25 de Abril.
    Foi um confronto com o fascismo no qual se formou toda uma geração de líderes políticos e intelectuais que no pós-25 de Abril viriam a ter papel destacado (Alberto Martins, Barros Moura, Celso Cruzeiro, António Marinho, entre muitos outros). E no qual a dinâmica colectiva gerou um movimento muito mais rico e criativo do que as vanguardas politizadas algumas vez teriam, por si sós, sido capazes de impulsionar.

    Com a crise de 1969 aprendemos a escutar as conversas dos irmãos, mais velhos, com os amigos e as suas ideias; aprendemos a participar numa manifestação; aprendemos a sintonizar a rádio “Voz da Liberdade”; aprendemos que há uma palavra única nas nossas vidas: liberdade!

    Com a crise académica de 1969,foi o primeiro momento da minha vida juventude em que assisti ao confronto de ideais políticos: de um lado o Futuro, do outro o Passado. De um lado a acção utópica por uma sociedade mais justa. Do outro, o pragmatismo caduco das injustiças totalitárias. De um lado o sonho e do outro a arrogância. O Futuro enfrentando o Passado.

    Que resta de nós?


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