Multitude *

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro

As duas grandes manifestações feitas em Portugal em Setembro foram diferentes:


— a do dia 15 teve convocatória apartidária, via Facebook, realizou-se em várias cidades do país, e só contou com a criatividade e a espontaneidade dos manifestantes;
— já a do último sábado, polarizou-se toda ela no Terreiro do Paço, foi organizada da forma tradicional, com transportes de manifestantes em autocarros, e com o enquadramento costumeiro das manifs da Intersindical.

     
Na do dia 15, uma multitude, na do dia 29, uma multidão. A diferença é qualitativa, não é quantitativa.
     
Michael Hardt e Antonio Negri, em “O Império” (2001), explicam: enquanto na “multitude” há diferenciação e individualização, na “multidão” há homogeneização e dissolvência do individual no colectivo.
     
“Multitude” é um conceito político que vem de Maquiavel e Espinosa, tendo este filósofo descendente de judeus portugueses visto nela o contra-peso mais forte que há a um poder: “todo o dirigente tem mais a recear dos seus próprios cidadãos do que de qualquer inimigo estrangeiro”.
     
Uma “multitude” é muito mais do que uma “multidão com atitude”. A “multidão” da Intersindical não põe grandes problemas ao poder, já a “multitude” é corrosiva e põe-lhe problemas sistémicos agudos.
     
A manifestação da “geração à rasca”, feita em 12 de Março de 2011, varreu o autoritarismo negocista de José Sócrates. 

Agora, em 15 de Setembro...
 ... este “que se lixe a troika!” demoliu o edifício moral de Pedro Passos Coelho.
     
Sócrates caiu pouco depois, não tinha maioria que o segurasse no parlamento. A maioria de Pedro Passos Coelho, pelo menos para já, vai-o aguentar. Mas parece, cada vez mais, um submarino a meter água na casa das máquinas.

Comentários

  1. Parece-me que não bate a bota com a perdigota, que é como quem diz, a argumentação com a conclusão.

    Se as "multitudes" são algo "a recear", enquanto a multidão "não põe grandes problemas ao poder", seria de supor que Sócrates teria caído por efeito da "multitude" de março e Passos cairia por efeito da de setembro.

    A verdade é que Sócrates caiu no Parlamento (uma "multidãozinha") e a "multitude" de setembro não fez cair Passos (porque a tal "multidãozinha" do Parlamento o aguenta).

    Interpretações...

    Já agora, há uma diferençazinha significativa na tal "multidãozinha"; Passos conta muuuuuuito mais com o apoio da "multidãozinhazinha" do PS do que Sócrates contava (ou não contava...) com a que agora apoia o governo.

    Ou seja, tudo(?) parece jogar-se fora das tais "multitudes" e multidões. Que há peso destas no centro de decisão/apoio? Certamente; mas a avaliação do peso relativo de umas e de outras... é resultado de interpretações. Subjetivas (digo eu).

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    1. Isso mesmo que escreveu, caro anónimo:
      "A verdade é que Sócrates caiu no Parlamento (uma "multidãozinha") e a "multitude" de setembro não fez cair Passos (porque a tal "multidãozinha" do Parlamento o aguenta)."
      Pelo menos para já, aguenta-se. Mas está a meter água por todo o lado. E esse rombo no casco da maioria foi provocado pela "multitude" de 15 de Setembro e não pela "multidão" de 29.
      Cumprimentos

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  2. Interpretações, Alex! Interpretações...

    A mim, convence-me mais que o rombo, foi ele próprio, o Passos, que o provocou. E estaria "arrombado", mesmo sem qualquer "multitude" ou "multidão". A "multitude" de 15/set foi apenas o reflexo do rombo que já existia.

    É o problema da distinção entre o "post hoc" e o "propter hoc" ;-))

    A. Gomes (o "anónimo" anterior)

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    1. Caro Gomes,
      Quando é que houve o rombo no edifício moral do passismo?
      — quando foi decidido que os assessores do governo tinham direito aos subsídios de férias e e Natal?
      — quando foi anunciada uma TSU tira ao empregado para dar ao empregador?
      — quando ...?
      o facto é que o relativo consenso social à volta da necessidade dos sacrifícios rompeu-se, e essa fractura
      ficou exposta, a doer doidamente, febre alta, no 15 de Setembro.
      Margareth Tatcher teve uma ruptura destas com a Poll Tax, não recuou, rebentou.
      PPC recuou na sua "Poll Tax/TSU", mas não é nada seguro que se aguente.

      Abraço

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  3. Se não aguentar , deixe lá que o que vier a seguir também não aguenta pois só existe uma única forma de sair do lamaçal (pântano) e essa na minha humilde opinião é : governar pelo exemplo , não fazer como frei tomás , ter humildade , vontade e trabalhar e embora a corja socialista já esteja de garras afiadas mais depressa emigram do que lá põem as mesmas.
    Á primeira (sócrates) caíram os incautos , na segunda (Passos e Cª) caíram os esperançosos , na terceira se a houver ( ? ) só caem os invertebrados da sociedade!

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