Oportunidade perdida*

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro


1. As PPP rodoviárias (desde sempre aqui chamadas PPPPP — Parcerias-Prejuízos-Públicos-Proveitos-Privados) são um roubo de futuro aos nossos filhos, netos e bisnetos, já que há encargos assumidos até 2083 (!), e são um jackpot para os rentistas (à data da bancarrota socrática, a “nossa” A25 rendia-lhes 17,35% ao ano, enquanto a “nossa” A24 borbulhava 11,23%).


Fotografia Olho de Gato

Estes números pornográficos, apurados pela Ernst & Young, foram conhecidos quando ainda estava cá a Troika. Seguiu-se uma renegociação dos contratos liderada por Sérgio Monteiro de que nada se sabe. Os políticos e os grandes escritórios da advocacia de negócios, com a Troika fora, regressaram à opacidade do costume.

A chegada do PCP e do bloco à área do poder também não trouxe mais transparência. O bloco de esquerda contesta as PPP na saúde que têm funcionado bem e sem desvarios nas taxas internas de rentabilidade, mas, infelizmente, não parece preocupado com as PPPPP rodoviárias. Esta semana o JN revelou que os gastos do estado com elas “dispararam” 77%.


Daqui
No início de 2015, sugeri aqui que Portugal fosse aos mercados buscar dinheiro para resgatar as PPPPP. Na altura tal era possível. Tínhamos acabado de fazer um empréstimo a 30 anos à taxa de 4,1%. Durante 2015 e parte de 2016, as condições de financiamento da república foram muito favoráveis. Agora já não são. Perdeu-se a oportunidade.

Estes três anos de campanha eleitoral — 2015, 2016 e 2017 — vão ficar-nos muito caros.

2. Em Setembro, todos os meninos do 1º ciclo das escolas públicas, quer sejam de famílias ricas, remediadas ou pobres, vão ter livros pagos pelo estado.

Em Setembro, todos os meninos do 1º ciclo das escolas privadas, quer sejam de famílias ricas, remediadas ou pobres, não vão ter livros pagos pelo estado.

Para a geringonça, os primeiros são filhos, os segundos enteados.

Senhores presidentes das câmaras, usem os vossos orçamentos e impeçam esta discriminação vergonhosa.

Comentários

  1. Caro Srº:
    Apesar de considerar este blog de grande qualidade e uma referência, permita-me discordar do 2º ponto:
    Se "os meninos do primeiro ciclo da escolas públicas quer sejam famílias ricas, remediadas ou pobres vão ter livros pagos pelo estado", por conseguinte, estamos a falar de ensino público, em que todos devem ter as mesmas oportunidades, poder-se-á inferir que "todos os meninos do 1º ciclo das escolas privadas, quer sejam de famílias ricas, remediadas ou pobres, não vão ter livros pagos pelo estado" são alvo de uma "discriminação vergonhosa"?
    Se muitas escolas privadas, tal como foi amplamente divulgado pelo
    estudo efetuado por quem de direito, não têm sequer razão de funcionar, pois existem estabelecimentos públicos na proximidade, que estão subaproveitados;se as escolas privadas,eventualmente selecionam os alunos;se a frequência dessas escolas é paga pelos utilizadores:
    Então?
    Onde existe a discriminação?
    RJ

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    1. Caro RJ

      — muito obrigado por ser leitor deste modesto estabelecimento;

      — os "ses" do senhor falam de escolas e de abstracções; eu falo de meninos concretos, de seis a dez anos, de carne e osso e projecto de vida, que são considerados de segunda pelo estado;

      — espero que os senhores presidentes da câmara, nos seus concelhos, não deixem que haja meninos de primeira e meninos de segunda no caso dos livros escolares.

      Cumprimentos

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    2. O texto original é muito mais completo e concreto. Esta é apenas um breve síntese. A exposição pública pode custar muito caro, apesar do tal conceito de liberdade de expressão. De maneira alguma valeria a pena, até porque cada pessoa é livre de escrever o que bem entende.
      Cumprimentos

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  2. Vale a pena debater este assunto, até porque desconfio que o Eurogrupo discutirá os custos dos manuais gratuitos, como ponto prévio ao orçamento português…

    Manuais escolares à borla para o 1º ano já para 2017-18? Em princípio, uma boa medida desde que não seja uma versão de Magalhães II. Mas, ao que temos assistido nos media, desconfio que tudo se tornou numa construção ocasional, pois se os políticos querem a glória dos manuais gratuitos, devem assumir que isso tem encargos e que não se consegue à borla.

    Infelizmente, há poucos inocentes neste negócio da Educação, onde todos se escondem atrás do “interesse dos alunos”. Hoje continuamos a assistir a gente do PS a bater no peito em defesa da Escola Pública quando fez beija-mão ao Sr Eng e à sua reverendíssima ministra. E já alguém confrontou o autarca “modelo” de Vila Nova de Gaia, o sr ex CONFAP, ou a Marilú da festa do Parque Escolar para amigos, projectistas e empreiteiros, para que tivéssemos uma rede pública a duas ou três velocidades? Mas, também afirmo que quando se aposta na histeria, na manipulação, na diabolização das escolas públicas como se fossem incapazes de – se lhes forem dadas as mesmas condições – prestar um serviço tão bom ou melhor, eu não alinho nessa discussão.

    Hoje, a controvérsia é vagamente colocada numa trincheira demagógico-orçamental (governo a prometer manuais gratuitos, mas a ver se custam pouco) ou jurídico-mercantil (editoras a procurarem meios legais para manter as suas vendas em alta), com todos a moverem-se na esfera do deve/haver de ganhos e perdas para as suas contas, raramente estando o “interesse das famílias” realmente em causa. Como penso que ainda tenho memória, é preciso descaramento para ouvir tantas falácias.

    Sou tendencialmente a favor da gratuitidade dos manuais no ensino. A gratuitidade para todos, independentemente da sua capacidade económica é a resposta mais justa e mais democrática, pois que a justiça social em Portugal deve ser procurada através do sistema fiscal redistributivo.

    Mas, é obsceno existirem escola públicas a cair aos pedaços ao mesmo tempo que o Estado subsidia escolas privadas de forma ilegal. É esta a liberdade de escolha a que se referem?

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