Abandonos

Fotografia de Cílio Correia



Deixei um livro
num banco de jardim:
um despropósito

Mas não foi por acaso
que lá deixei o livro, embora o sol estivesse quase
a pôr-se, e o mar que não se via do jardim
brilhasse mais

Porque a terra, de facto, era terra interior,
e não havia mar, mas só planície,
e à minha frente: um tempo de sorriso
a desenhar-se em lume,
e o mar que não se via (como dizia atrás)
era um caso tão sério, e ao mesmo tempo
de uma tal leveza, que o livro:
só ideia

Essa sim, por acaso, surgida num comboio
e nem sequer foi minha, mas de alguém
que muito gentilmente ma cedeu,
e criticando os tempos, mais tornados
que ventos, pouco livres

E ela surgiu, gratuita,
pura ideia,
dizendo que estes tempos exigiam assim:
um livro abandonado
num banco de jardim

E assim se fez,
entre o comboio cruzando este papel
impróprio para livro,
e o tempo do sorriso

(que aqui, nem de propósito,
existe mesmo, juro, e o lume de que falo mais acima,
o mar que não se vê, nem com mais nada rima,
e o banco de jardim,
onde desejo ter deixado o livro,
mas só se avista no poema, e livre,
horizontal
daqui)
Ana Luísa Amaral



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