Patos sentados*

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro


1. “Lá vamos, que o sonho é lindo! Torres e torres erguendo. Rasgões, clareiras, abrindo”, cantava-se assim no hino da mocidade portuguesa salazarista, uma cantoria mais tarde aplicada em força à construção civil.

Patos bravos rasgaram clareiras e abriram urbanizações de torres e torres nos arredores das cidades. Ao mesmo tempo, nos quarteirões centrais, as rendas congeladas foram deitando casas abaixo e, no seu lugar, patos taveiras ergueram pós-modernices envidraçadas, o metro quadrado sempre upa-upa, um ai-jesus para ricos, emigrantes bem-sucedidos, angolanos, vistos gold, ultimamente airbnbs, malta com pilim, dinheiro da estranja que em Portugal pilim não há desde o reinado do magnânimo D. João V.

O estado, a mando do divino espírito santo e seus colegas, foi ajudando os patos bravos e os patos taveiras de três modos: matou o mercado do arrendamento ao manter as rendas congeladas, deu descontos no IRS às hipotecas e isentou, por prazos generosos, o imposto sobre o imobiliário.

É claro que os spreads do divino espírito santo e dos seus colegas que, como se sabe mas convém relembrar, não tinham pilim, eram spreads de bancos estrangeiros aplicados em casas que as pessoas tiveram que comprar porque não havia para arrendar. É por isso que a dívida privada portuguesa é muito maior que a dívida pública.

2. De 2012 a 2015, as câmaras do distrito de Viseu passaram de uma receita de IMI de 26,2 milhões de euros para 38,5 milhões. Um incremento de 47% nos quatro anos negros que se seguiram ao resgate.


Porquê? A resposta é simples: as casas não têm rodas. Os seus proprietários são “patos sentados” (os ingleses inventaram a expressão: “sitting ducks”). As nossas alegres casinhas, tão modestas e longe do mar, agora já não têm o bem-bom da isenção de IMI e estão à mercê dos xutos e pontapés de um estado sem pilim nem vergonha na cara, que, em vez de diminuir despesa, todos os anos aumenta os impostos.

Mais 47% de IMI. Em quatro anos.

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