Cedo demais*

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro



1. A sinergia, conceito de gestão criado em 1965 por Igor Ansoff, deu um pretexto maravilhoso para os gestores tornarem maiores as suas empresas. É que, afiançava-se, a sinergia obtida na agregação ou fusão de empresas, facilmente fazia que dois mais dois fossem cinco. Ou mais.

Repare-se: enquanto há meio século a malta desengravatada se entretinha com a “paz e amor” de Jim Morrison e Janis Joplin, a malta da gestão começou a tripar com este “alucinogénio” que usou durante décadas — é assim que o livro “Funky business, o capital dança ao som do talento” goza com a sinergia.

Mal o li há dez anos, devia ter logo malhado aqui nos “sinérgicos”: é que conglomerar empresas, bastas vezes, em vez de dois mais dois cinco, dá, mas é, três e meio, quando não muito menos.

Entretanto, a malta que estava sempre com o paleio da sinergia na boca deixou-se disso e vende agora, com o mesmo entusiasmo, “start-ups” e “empreendedorismo”. Já não vale a pena malhar-lhes. É “tarde demais”.

2. António, o genial cartoonista do Expresso, tem uma exposição dos seus desenhos na Biblioteca Municipal de Viseu, até 8 de Outubro. A não perder.

Ele contou a este jornal que, mal começou a perestroika de Mikhail Gorbachev, o desenhou com um mapa-mundo na cabeça, tirando partido visual da sua mancha na testa.

O problema é que, então, as agências estavam a apresentar fotografias retocadas de Gorbie, com a cabeça limpa. António teve que esperar por meses de aparições televisivas do líder soviético até os leitores se familiarizarem com a mancha e poderem perceber. Foi um desenho feito "cedo demais".

3. Depois da demissão de Assunção Cristas — que não vai conseguir ser eleita vereadora em Lisboa —, é elevada a probabilidade de, à direita, o CDS começar a imitar o populismo eurocéptico do bloco e o nacionalismo eurofóbico do PCP.

Bem sei: fazer uma previsão destas é capaz de ser “cedo de mais”.

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