Indústria de ponta *

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 4 de Março de 2005


0. Começo esta crónica com um ponto zero. É um “antes do princípio” necessário. Joaquim Fidalgo de Freitas, no Jornal do Centro, e Carlos Vieira e Castro, no jornal Via Rápida, ambos candidatos do Bloco de Esquerda nas últimas eleições legislativas, expressaram forte discordância sobre os termos em que o Olho de Gato, de 28 de Janeiro, se referia ao Bloco e à sua lista candidata pelo distrito de Viseu.

Quero dar testemunho público da amizade e da admiração que tenho pela intervenção cívica tanto do Joaquim Fidalgo de Freitas como do Carlos Vieira e Castro.

Nunca é demais recordar que em democracia não há vitórias esmagadoras nem derrotas esmagadoras. É sempre bom ser humilde, mas é ainda mais necessário sê-lo quando se ganha. Eu acho que é positivo e é necessário termos uma esquerda plural. O Bloco de Esquerda e o PCP devem ser sujeitos e objectos de escrutínio democrático. A diversidade é estimulante em democracia. A combatividade e a força das convicções não o é menos.

Este testemunho já devia ter saído no último Olho de Gato. Tenho esperança que a amizade do Joaquim Fidalgo de Freitas e do Carlos Vieira e Castro aplique, a este atraso, o ditado: “Vale mais tarde do que nunca”.

1. No início desta semana, Pacheco Pereira escreveu no seu blogue: «Há hoje uma indústria de falar / escrever sob a forma de comentário que faz parte das novas tecnologias e é, meus caros amigos e inimigos, uma “indústria de ponta”».

Daqui
Já imaginava que este Olho de Gato era coisa pra-frentex, mas não supunha que o fosse tanto. Esta coluna tem “a forma de comentário”. É também, portanto, meus caros amigos e inimigos, “indústria de ponta”.

2. Da minha leitura dos resultados das eleições de 20 de Fevereiro, quero destacar o seguinte:

- Os portugueses continuam a acreditar na democracia e, por isso, os níveis da abstenção diminuíram.

- Jorge Sampaio fez bem em dissolver o Parlamento.

- As nossas empresas de sondagem são credíveis. As diferenças entre os resultados das sondagens e os resultados nas urnas foram desprezíveis.

- O PS teve a maioria absoluta. O mérito é de José Sócrates que mostrou ter uma estratégia para o país, mostrou competência e sentido de estado e soube indicar aos portugueses um caminho de esperança.

- A campanha do PSL (Partido de Santana Lopes) foi feia nos truques e errada na estratégia.

- O PS, em Viseu, ultrapassou pela primeira vez o PSD, acabando com o Cavaquistão. José Junqueiro e o PS/Viseu acrescentaram valor à dinâmica nacional e mereceram vencer porque foram claros e tiveram ambição.

- A derrota do PSD, em Viseu, foi impulsionada pelo desastre Barroso / Santana, mas essa derrota também teve causas locais. O PSD/Viseu amochou no problema das portagens e os viseenses não gostam de políticos fracos. Ainda por cima, Carlos Marta, um dos derrotados de 20 de Fevereiro, deixou que a Lista de Deputados do PSD fosse encabeçada por um pára-quedista medíocre.

- Fernando Ruas é outro dos derrotados. Ele já tinha apoiado a proto-candidatura de Pedro Santana Lopes à Presidência da República, preferindo Santana a Cavaco Silva. Agora, em 2005, Ruas foi o Mandatário de Honra. A sua fotografia apareceu ao lado da de Arnaut e de Santana, ajudando também à derrota do Cavaquistão.

3. Como foi possível a Santana Lopes chegar à liderança dum partido de poder? Quem falhou? Que falhou? Onde estão os filtros de mérito numa grande organização partidária? O desastre que aconteceu no PSD poderá acontecer, no futuro, no PS?

Fotografia de Miguel Baltazar, publicada no Jornal de Negócios

Devemos procurar respostas a estas perguntas. Para já, deixo uma certeza: a política é coisa demasiado séria para ser deixada só nas mãos dos políticos profissionais.

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