Os chispes das matrículas *

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente quatro anos, em 18 de Junho de 2010

Imagem daqui
Foi no verão de 2008 que o governo começou a falar dos identificadores obrigatórios nas viaturas - os “chips das matrículas”.

O secretário de estado Paulo Campos passou aquele verão a gabar a maravilha dos “chispes” das matrículas. Não fez outra coisa. Chegou a ser ridículo. Esteve a milímetros de afirmar que os ditos “chispes” eram infalíveis até contra o mau-olhado.

Só que, infelizmente, os “chips das matrículas” são mesmo um mau-olhado, são um Big Brother.

Disse deles o socialista Pedro Adão e Silva: “a ideia de deixar obrigatoriamente registo de passagem quando se circula na auto-estrada é um primeiro passo em direcção a um mundo perigoso, em que autonomia individual e direito à privacidade começam lentamente a ser confiscados pelo Estado.”

Os governos metem-se cada vez mais nas nossas vidas com a alegação de que “quem não deve não teme”. Essa alegação é uma falácia e está a danificar as democracias.

Os “chips das matrículas” são para financiar as SCUTs. Mas há, mas têm de haver outras soluções para esse problema que não sejam lesivas da privacidade dos cidadãos. Bastava, por exemplo, instituir-se uma vinheta anual obrigatória – o “Selo das SCUTs”. Sugeri isso a José Sócrates, olhos nos olhos, em Fevereiro de 2009.

Na próxima semana, os deputados vão votar os “chips das matrículas”. Vão surgir, de muitos lados, ameaças de crise política para condicionar o voto dos deputados. Era bom que o nosso parlamento não fosse em chantagens e mostrasse que respeita os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Deixo mais um elemento para a reflexão dos nove deputados do círculo de Viseu que foram eleitos com os nossos votos: se este Big Brother passar, num futuro muito próximo vamos ser obrigados a pagar 8 cêntimos por quilómetro nas “nossas” A24 e A25.

Comentários

  1. Devo confessar que ainda NÃO percebi a razão de alguém querer manter no sigilo ABSOLUTO as viagens que faz. Mais, parece-me que é um exagero dizer que está em causa a pp Democracia.
    Acreditem se quiserem, eu já vi na net coisas muito mais "perigosas": quase fichas clinicas de doente, etc.

    A. Monteiro

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    1. Caro A. Monteiro,

      O argumento "quem não deve não teme" é um clássico, há abundante literatura a explicar porque ele é uma falácia perigosa — designadamente na jurisprudência anglo-saxónica.

      Essa informação das deslocações de pessoas, mais tarde ou mais cedo, vai ser indevidamente usada.

      Recordo que vivemos num país onde até os telefonemas de um primeiro-ministro são publicados...

      O argumento "já vi pior na net" também não parece muito sólido — um jornal já publicou a ficha ginecológica de uma ex-ministra, daí não decorre que se vá fazer disso prática corrente e isso não seja execrável.

      De qualquer forma, A. Monteiro:
      1. esta infra-estrutura intrusiva está montada porque o comum dos cidadãos pensa como o senhor e deixou-a montar em 2010/11;

      2. as democracias liberais estão a ser "danificadas" com o uso sistemático deste tipo de vigilância a cidadãos que estão a ser tratados todos como suspeitos (veja-se a NSA);

      3. em Portugal desama-se a liberdade, sei que a minha opinião sobre este assuntos é minoritária e a sua maioritária.

      Se vier um poder mais musculado, não democrático, esse poder só tem que usar os mecanismos de rastreio e de vigilância instalados por poderes democráticos. A PIDE da altura terá estes informadores electrónicos.

      E esse poder dirá: "quem não deve não teme".

      Agradeço-lhe, e muito, o seu comentário
      Joaquim Alexandre Rodrigues

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    2. Antes de mais devo dizer que NÃO sei se pertenço aos "maioritários" (até pq nunca procurei posicionar-me nestas como noutra matérias escolhendo o lado mais "confortável") bem como, está a falar com uma pessoa que gosta MUITO de preservar a sua privacidade(ponto)

      Assim, o que me move é mesmo a questão da (in)segurança (outro ponto)

      Mas devo dizer que à medida que vou sabendo mais coisas sobre as Novas Tecnologias VS Privacidade, mais vou ficando perpelexa, pois concluo que MUITAS vezes esta recolha não visa a segurança dos cidadãos/País.

      (...)

      Quem se preocupar com a "cusquice" nas estradas tb deve mostrar-se preocupado com MUITAS outras câmaras e OUTROS registos.

      EM SUMA: EU NÃO ME PREOCUPO NADA QUE ME FILMEM (se o fizerem de manhã podem é assustarem-se...) MAS PREOCUPO-ME E MUITO COM A INTENÇÃO COM QUE O FAZEM E O DESTINO QUE POSSAM DAR ÀS GRAVAÇÕES!(o outro queria preservar os activos do sporting....)

      Muito Boa Noite!:)

      Assina: A.Monteiro

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  2. Concordo inteiramente com a reflexão aqui deixada sobre os chips da matricula e o seu atentado á privacidade de cada um de nós.
    Nos tempos que correm mesmo quem tenta salvaguardar a sua privacidade já não consegue pois existem inúmeros meios de rastreamento do comportamento das pessoas, é a net e o seu histórico, as compras com cartão em que tudo fica registado, os telefonemas, os programas que vemos na televisão por cabo, as informações enviadas por C.V. ou os resultados das entrevistas para emprego, os resultados de exames clínicos ou as receitas médicas prescritas.
    Todo este manancial de informação é aproveitado seja para marketing (algum dele bastante agressivo) pelas grandes corporações com que nos relacionamos no nosso quotidiano para obter vantagens sobre quem está indefeso e sozinho (como muitos estamos) não tendo já forma alguma de se defender ou para fins menos éticos como excluir ou selecionar.
    Quem julga que mesmo mantendo uma atitude reservada se "livra" da devassa geral que hoje é feita na vida das pessoas está (na minha modesta opinião) enganado e é só pesquisar um pouco e verificar as noticias ou simplesmente abrir o email "pessoal" todos os dias e reflectir um pouco sobre o que recebemos e como obtiveram o nosso contacto.

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    1. Os estados liberais aproveitaram o 11 de Setembro e a ameaça terrorista para amachucarem o direito à privacidade das pessoas, usando acima de tudo infraestruturas electrónicas.

      Osama bin Laden ganhou,

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    2. Quer queiramos...quer não, existe um antes e um depois do 11 de Setembro. Como o quantificar numa escala até 5?! Ao nível da segurança 5 prós EUA e 4 pró resto do mundo dito "civilizado/industrializado". No que a educação/programas curriculares diz respeito, ainda não sei. Acredito piamente no fulano que dizia.«a paz no mundo só será conseguida quando os Líderes religiosos de TODO mundo se sentarem à mesma mesa".

      A.Monteiro

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