Bons e maus *

* Publicado hoje no Jornal do Centro


As “noites f5.6”, assim chamadas porque são ou a 5 ou a 6 de cada mês, reúnem no Lugar do Capitão, em Viseu, amantes de fotografia a pensarem, verem e conversarem sobre a arte fotográfica. Na passada sexta-feira, José Pessoa deixou a tertúlia meia encavacada porque afirmou, alto e bom som, que não gostava de Sebastião Salgado. 


      
José Pessoa reconhece a “perfeição” das fotografias do autor de “Trabalhadores”, “Terra” e “Êxodos”, mas lembrou que Sebastião Salgado “só” fotografa “pobres bonitos”, e vê neste “só” um défice ético, vê neste “só” o economista, a formação académica do fotógrafo da Magnum.
     
Em suma: génio biltre, grande-artista má-pessoa, “Good art, bad people”, o exacto título de um artigo de Charles McGrath, publicado no New York Times de 21 de Junho, de onde vou retirar alguns exemplos.
     
Wagner e Degas eram anti-semitas; Ezra Pound fascista; das sete principais mulheres na vida de Picasso, duas endoideceram e duas mataram-se; Norman Mailer, uma vez, tentou matar a mulher; Genet era ladrão; Byron incestuoso; Rimbaud contrabandista; Flaubert pagava por sexo a rapazinhos; o filho mais novo de Hemingway acusou o pai de ter destruído cinco familiares, incluindo-se nesse cômputo.
     
Pode uma má pessoa fazer boa arte? Claro que pode. Pode uma boa pessoa fazer boa arte? Claro que pode. Há, até, muito boas pessoas a fazerem muitíssima má arte, para nossa desgraça. Dizer-se que uma pessoa é boa ou má é um juízo moral, dizer-se que uma obra de arte é boa ou má é um juízo estético. São coisas diferentes. Sebastião Salgado, para fazer fotografias sublimes, não precisa de ser uma pessoa sublime.
     
Pede-se demasiadas vezes a um artista o que se recusa a um político. Dizer-se, por exemplo, “Guterres é boa pessoa” será estar a dizer-se bem do político Guterres? Mas isso já são contas de outro rosário...

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